O que rende mais: ações ou obrigações?
Por David Almas a 1 de novembro de 2024
Formulei a pergunta que titula este artigo a uma versão do GPT-4, um modelo de inteligência artificial. Respondeu-me:
“As ações costumam render mais do que as obrigações a longo prazo, mas são mais arriscadas e voláteis. As obrigações oferecem rendimentos fixos e são mais seguras, mas geralmente rendem menos. A escolha depende do teu perfil de risco: se procuras mais retorno e aceitas riscos, opta por ações; se preferes segurança e estabilidade, escolhe obrigações.”
O GPT-4 e outros modelos contemporâneos de inteligência artificial são interessantes: regurgitam as ideias mais populares e amplamente aceites entre os volume de informação que absorvem enquanto são treinados.
Todos os estudiosos e autores que conheço — ou, melhor, conhecia — defendem que, no longo prazo, os mercados acionistas rendem mais do que os segmentos obrigacionistas. Eu também: escrevi frequentemente que as ações tendem a render mais no longo prazo.
A segunda ideia do GPT-4 — as ações são mais voláteis — é também muito popular. Eu estou no campo dos poucos que discordam. Escrevi na passada edição de janeiro do boletim tlim:
“Muitos dizem que as ações são mais rentáveis no longo prazo, mas também são mais voláteis. Não é verdade: os retornos dos mercados acionistas são mais voláteis no curto prazo; no longo prazo, até podem ser menos voláteis do que outros instrumentos frequentemente promovidos como mais seguros.”
Usando a base de dados de Robert Shiller, que recebeu o Prémio Nobel da Economia em 2013, mostrei que, “estatisticamente, o risco das ações foi inferior ao das obrigações em aplicações de 24 anos ou mais”.
Ao pressionar os modelos de inteligência artificial para provarem que as ações rendem mais do que as obrigações, defenderam-se com a literatura da área financeira. Apontam normalmente para dois livros:
Stocks for the Long Run (1994), de Jeremy Siegel. O investigador, professor de Finanças na Wharton School da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos da América, estudou o desempenho dos investimentos norte-americanos desde 1802. Concluiu que as ações superaram todos os outros ativos em termos de retorno de longo prazo. Recomendou, então, o investimento numa carteira diversificada de ações, em particular com fundos de índice.
The Triumph of the Optimists (2002), de Elroy Dimson, Paul Marsh e Mike Staunton. No seu livro, Siegel analisou essencialmente o mercado dos EUA. Estes três académicos britânicos estenderam a investigação a outras nações. Após estudarem as bolsas desde 1900, chegaram à mesma conclusão: apesar das flutuações de curto prazo, as ações tendem a oferecer retornos mais elevados. Os otimistas — aqueles que acreditam na inovação, no crescimento económico e na melhoria das condições de vida — devem esperar um desempenho superior dos mercados acionistas.
Desde a publicação desta obra, Dimson, Marsh e Staunton atualizam anualmente o seu estudo.
Na última edição do seu livro, Siegel apontou para uma rentabilidade real — o retorno acima da inflação — de 6,6% por ano para as ações norte-americanas entre 1802 e 2012. Na sua obra, Dimson, Marsh e Staunton calcularam ganhos reais entre 2,5% por ano e 7,6% por ano nos mercados acionistas de 16 nações entre 1900 e 2000, mas sempre batendo as obrigações locais. “Para os investidores tolerantes ao risco, isto torna as ações num investimento desejável de longo prazo”, escreveram. Na última atualização às suas estatísticas, o trio inglês indicou que as ações renderam anualmente mais 3,3 pontos percentuais do que as obrigações nos últimos 124 anos.
A subida recente dos mercados acionistas não deixa os investidores duvidarem da premissa de superioridade de longo prazo das ações. O Fidelity MSCI World P, um dos fundos de ações dos mercados desenvolvidos que recomendo desde 2019, rendeu quase 13% por ano desde que foi lançado, em 2018. O iShares Core MSCI World UCITS ETF, outro fundo de ações que povoa as minhas recomendações há mais tempo, avançou mais de 12% por ano desde o seu nascimento, em 2009.
Há muito tempo que conheço os estudos de Siegel, Dimson, Marsh, Staunton, Shiller e outros defensores das ações para o longo prazo. Em consequência, há muitos anos que a minha carteira de investimentos está maioritariamente exposta aos mercados acionistas. Se não tivesse alcançado uma rentabilidade de dois dígitos desde que comecei a investir, no ano 2000, não me teria aposentado em 2018 aos 41 anos.
O desempenho das ações influenciou decisivamente a minha vida. E, até agora, nunca tive motivos para acreditar que a minha estratégia acionista de longo prazo não era a mais adequada.
Ações para o longo prazo?
Edward McQuarrie é professor jubilado da Universidade de Santa Clara, na Califórnia estado-unidense. Ao longo da sua carreira, especializou-se no comportamento dos consumidores, mas, na aposentação, voltou-se para os mercados financeiros.
Após ler o livro de Jeremy Siegel, pesquisou as suas fontes de informação, em particular as que o autor usou para construir o seu índice de obrigações. Desconfiou e investigou. Detetou erros e corrigiu-os. Alargou o índice para incluir mais emissões obrigacionistas e estendeu a sua duração.
Em 2021, McQuarrie publicou uma primeira versão do seu estudo, a que chamou “Stocks for the Long Run? Sometimes Yes, Sometimes No” (“Ações para o Longo prazo? Às Vezes Sim, Às Vezes Não”), um ataque direto ao livro de Siegel. Lançou um blogue para promover a sua investigação. Participou em fóruns bolsistas para convencer os investidores de que as suas ideias básicas estavam erradas.
No início de 2023, após estudar as publicações de Edward McQuarrie, alertei os leitores do boletim tlim: as ações não tendem a render mais no longo prazo, segundo aquele autor. “As ações e as obrigações são ativos de risco capazes de sobre e subdesempenhos em qualquer prazo temporal humano”, escreveu McQuarrie na primeira versão da publicação académica.
Aplaudi a investigação de McQuarrie, que forçaria os seus colegas investigadores a aprofundar os seus estudos, mas referi:
“O que mais me surpreende é que a maioria das conclusões de McQuarrie é pública desde 2021 — e uma das partes mais controversas, a das obrigações, desde 2018 —, mas não há reações no mundo académico. Gostaria de ver alguma confirmação ou rejeição dos resultados de McQuarrie por outros estudiosos. McQuarrie prometeu publicar todos os dados no seu blogue, mas tarda em fazê-lo.”
Em 2024, o estudo de McQuarrie chegou a uma das mais reputadas publicações académicas de Finanças, o Financial Analysts Journal, embora agora com um palavreado menos agressivo.
Talvez a escolha da publicação não tenha sido inocente. Fora no Financial Analysts Journal que, em 1992, Jeremy Siegel publicara o estudo que se transformaria no livro Stocks for the Long Run. Elroy Dimson, Paul Marsh e Mike Staunton também lá publicaram.
Como prometido, McQuarrie difundiu os dados que compilou.
Há algum motivo para duvidar das estatísticas de McQuarrie? Não. Aliás, o seu estudo tem o carimbo de aceitação de William Goetzmann, que, além de ser o editor executivo do Financial Analysts Journal, é um dos autores mais prolíficos no campo da história financeira. É um dos três académicos cujos dados compilados sobre a bolsa de Nova Iorque foram usados por Jeremy Siegel no seu livro.
Estatísticas menos claras
A investigação de Edward McQuarrie revela que Jeremy Siegel e outros académicos que seguiram a sua análise subavaliaram o desempenho das obrigações e sobreavaliaram o avanço das ações, especialmente na segunda metade do século XIX. (Se tiver curiosidade sobre as diferenças, consulte o anexo ao seu estudo.)
Que revelam os índices de ações e de obrigações norte-americanas de McQuarrie?
A figura anterior abrange 227 anos. Se nos focamos apenas nos últimos 100 anos, concluímos que as ações renderam claramente mais do que as obrigações. Embora o último século — o mais estudado — seja um período longo, não é uma réplica do que se passou anteriormente. Se estendermos o estudo, o “claramente” esfuma-se.
| Duração do investimento | Proporção de períodos em que as ações ganham às obrigações | |
| 1942-2019 | 1792-2019 | |
| 1 ano | 64,1% | 55,1% |
| 5 anos | 78,2% | 62,3% |
| 10 anos | 83,3% | 63,8% |
| 20 anos | 92,3% | 64,4% |
| 30 anos | 98,7% | 67,2% |
| 50 anos | 100% | 68,0% |
Após a publicação do estudo de McQuarrie no seu Financial Analysts Journal, o CFA Institute, a organização que promove a educação financeira de profissionais dos investimentos, organizou um debate entre grandes estudiosos dos desempenhos financeiros de longo prazo. Participaram, além de Edward McQuarrie, Elroy Dimson, Jeremy Siegel, Rob Arnott e Roger Ibotson.
Siegel e Dimson defenderam-se argumentando que, quando procuraram os retornos das obrigações, estudaram os chamados “ativos sem risco”, normalmente representados pelas obrigações e os bilhetes dos tesouros. McQuarrie avaliou o comportamento de todos os segmentos obrigacionistas dos EUA: títulos governamentais, federais, municipais e corporativos. (O debate foi pacífico. Aliás, no seu estudo, McQuarrie agradece a ajuda de Siegel e de Mike Staunton, o parceiro de longa data de Dimson.)
McQuarrie concluiu: “Os retornos das ações, os retornos das obrigações, a correlação entre eles, os seus desvios-padrão e a contribuição dos dividendos não têm sido estacionários.” Não se pode extrapolar o que aconteceu no passado — recente ou não — para afiançar o sucesso no futuro.
Microaula de Finanças
É normal as pessoas agarrarem-se ao seu dinheiro e não o darem aos outros. É precioso: permite-nos pagar coisas agora ou no futuro. Quando se investe esse dinheiro, há sempre o risco de não se recuperar o pecúlio.
Exige-se uma remuneração mais elevada aos investimentos que aparentam mais risco: um depósito a prazo, garantido pelo balanço do banco e protegido independentemente pelo Fundo de Garantia de Depósitos, pode oferecer uma taxa de juro baixa, mas a especulação no mercado dos criptoativos, que não tem suporte além da dinâmica da procura e da oferta, tem de prometer retornos potenciais elevados.
Uma ação representa um porção da propriedade de uma empresa. Por exemplo, se tiver uma ação da EDP, é dono de 0,00000002% dessa companhia. Quando alguém investe nas ações da EDP, deve esperar um retorno por duas vias: dividendos distribuídos pela firma aos seus acionistas e valorização do preço das ações na bolsa.
Os dividendos e a valorização não são garantidos. O negócio pode correr mal, ameaçando não só os dividendos a distribuir nos próximos anos mas também a evolução da cotação na bolsa. Os acionistas, mesmo que sejam pequenos investidores, têm o direito de participar e votar nas assembleias de acionistas, que decidem os traços gerais do futuro da companhia, incluindo a proporção dos lucros dirigidos para o pagamento de dividendos. É um tema sensível: os acionistas desejam mais dividendos, mas também querem que uma parte dos lucros seja reinvestido para gerar ainda mais lucros no futuro.
A evolução do negócio empresarial, dos dividendos e dos preços das ações na bolsa não reagem apenas às decisões de longo alcance dos acionistas e de curto prazo do conselho de administração da companhia (que também é escolhido pelos acionistas). Depende da situação macroeconómica.
A macroeconomia — a produção das nações, a inflação, as taxas de juro, as trocas comerciais, os movimentos cambiais — é um mutante difícil de domar. Os governos e os bancos centrais tentam estabilizá-la, usando políticas públicas (mexendo nos impostos, por exemplo) e monetárias (controlando as taxas de juro), mas a incerteza é a única certeza. Uma guerra, por exemplo, pequena ou grande, pode derrubar qualquer política económica.
Os analistas financeiros e os responsáveis pela relação com os investidores das empresas procuram fornecer guias para os acionistas. Falham frequentemente. Às vezes, redondamente: veja-se a história da resolução do Banco Espírito Santo, a entidade que deu origem ao Novo Banco; era um dos maiores bancos cotados em Lisboa, mas, algumas semanas antes da resolução pelo Banco de Portugal em 2014, os investidores não sabiam que poderia evaporar-se como aconteceu.
Face à incerteza, os investidores informados apenas investem em ações de empresas se esperarem que ofereçam rentabilidades elevadas. Os especuladores também: apenas transacionam se acreditarem que encaixarão um bom retorno.
No mercado obrigacionista, a filosofia pode ser diferente. Uma obrigação representa uma porção de uma dívida. Se um investidor tiver uma obrigação da emissão “EDP 4,625% 2054”, controlará 0,0000001% dessa dívida. São, porém, os grandes investidores que normalmente participam diretamente neste mercado: é preciso ter mais de 100 mil euros nestas obrigações da EDP para poder transacionar.
Por regra, as obrigações pagam cupões periódicos a uma taxa de juro e, no vencimento dos títulos, devolvem o capital investido na emissão obrigacionista. Há muitas exceções e variantes que tornam o mercado de dívida muito complexo. Há, por exemplo, obrigações perpétuas, cupões zero, títulos indexados à inflação, cupões variáveis e opções de reembolso antes da maturidade.
As empresas pagam os cupões das suas emissões de dívida antes de calcularem os lucros e, logo, antes de pagarem os dividendos. Assim, os cupões são mais garantidos do que os dividendos. Além disso, caso a sociedade enfrente dificuldades, os obrigacionistas, como credores da firma, estão na linha da frente na reclamação de capitais. Os acionistas do Banco Espírito Santo perderam tudo, mas alguns obrigacionistas conseguiram recuperar parte das suas aplicações.
A estabilidade dos cupões traduz-se numa relativa baixa volatilidade do preço das obrigações na bolsa. O risco não é, contudo, igual para todos os emitentes de dívida. As entidades soberanas, como a República Portuguesa, que também se endividam nos mercados, tendem a ser mais confiáveis do que os organismos privados. Os emitentes de mercados em desenvolvimento são menos estáveis do que os que estão nos mercados desenvolvidos.
O mercado de dívida não é uniforme. O espectro de risco é muito largo: é possível optar por títulos extremamente conservadores — os Bubills, a dívida pública alemã de curto prazo, por exemplo — até segmentos mais voláteis do que as ações — obrigações empresariais de alto risco ou dívida de mercados emergentes. Exige-se naturalmente retornos mais elevados aos títulos mais arriscados: os Bubills a 12 meses pagam agora cerca de 2,3%; as obrigações do governo paquistanês renderão 12% por ano na próxima década, se não houver falhas nos pagamentos.
Os investidores em fundos de investimento são indiretamente acionistas e obrigacionistas. Não podem participar nas assembleias gerais (é um direito dos gestores dos fundos), mas beneficiam dos dividendos, dos cupões, dos reembolsos e das apreciações nos preços das ações e das obrigações.
Quem investe no iShares Core MSCI World UCITS ETF USD ou no Fidelity MSCI World Index, por exemplo, é indiretamente acionista de mais de 1400 empresas. Quem investe num dos Vanguard LifeStrategy — que são fundos que investem em fundos de ações e de obrigações — tem indiretamente ações de mais de 3000 empresas e obrigações de mais de 11 000 emitentes.
Até agora, quando os académicos recomendavam ações para o longo prazo, comparavam os mercados acionistas apenas com as obrigações soberanas, isto é, as emissões de dívida pública. Deixavam de fora, por exemplo, o segmento empresarial, que é tendencialmente mais rentável.
Além da dívida pública
Pouco tempo após a publicação da versão final da investigação de Edward McQuarrie, Elroy Dimson, Paul Marsh e Mike Staunton atualizaram o seu estudo anual com um capítulo dedicado às obrigações de empresas.
As novas estatística de Dimson, Marsh e Staunton mostraram que, no Reino Unido, a dívida das empresas rendeu 5,61% por ano desde 1860, batendo os 4,61% por ano da dívida pública. Nos EUA, as obrigações empresariais renderam 5,34% por ano desde 1900, longe das emissões governamentais, que renderam 4,55%.
O trio de investigadores britânicos que incentivou a crença de que as ações rendem mais no longo prazo mostrou que, afinal, o retorno das obrigações de empresas britânicas e norte-americanas não ficou tão longe do desempenho das ações locais.
Quando adicionam as obrigações empresariais às suas análises, outros estudiosos começam a adensar a posição de que, frequentemente, esses títulos batem o mercado acionista. Kevin Van Mencxel, Jan Annaert e Marc Deloof, da Universidade de Antuérpia, revelaram recentemente que as obrigações das empresas belgas renderam 4,35% entre 1838 e 1939. “Os retornos médios estimados mostram que as obrigações empresariais bateram as ações durante todo o século XIX”, escreveram.
América não é o mundo
O livro The Triumph of the Optimists, de 2002, marcou um primeiro esforço para verificar se o que acontecia nos mercados estado-unidenses se espelhava no resto do mundo. Elroy Dimson, Paul Marsh e Mike Staunton analisaram 16 países, apoiados em análises de muitos outros académicos. Concluíram que as ações dos EUA eram um caso particular: historicamente, além de estarem entre as mais rentáveis entre 1900 e 2000, estavam também entre as menos arriscadas.
Na mais recente atualização ao seu estudo anual, Dimson, Marsh e Staunton indicaram que as ações norte-americanas renderam 6,5% por ano acima da inflação entre 1900 e 2023, mas as ações do resto do mundo bateram a inflação em 4,3% por ano. O índice do resto do mundo abarca agora 89 nações, incluindo Portugal, graças à investigação de Maria Eugénia Mata, José Rodrigues da Costa e David Justino, que estiveram quase 4 anos a recolher e a trabalhar informação sobre o mercado acionista português.
“A experiência favorável dos investidores dos EUA em ações no século XX não é generalizável”, avisou Edward McQuarrie quando analisou as estatísticas de Dimson, Marsh e Staunton. “Em todo o mundo, houve numerosas situações em que as ações tiveram um subdesempenho relativamente às obrigações em intervalos de múltiplas décadas.”
Antes da publicação de McQuarrie, Aizhan Anarkulova, Scott Cederburg e Michael O’Doherty, das Universidades do Arizona e do Missúri, nos EUA, preocuparam-se com a discrepância dos retornos acionistas à volta do globo. Ao calcularem aleatoriamente o desempenho individual dos investidores em 39 nações em 30 anos entre 1841 e 2019, concluíram que existe uma probabilidade de 12% de o retorno ser inferior à inflação. Se o investidor estivesse nos EUA, essa probabilidade desceria para 1%; se fosse britânico, a probabilidade seria de 3%.
As ações estão caras
Na edição de abril passado do boletim tlim, demonstrei que as ações estão caras. O raciocínio simplificado e atualizado:
Benjamin Graham, o pai da ciência da avaliação de títulos, recomendou evitar-se ações com rácios preço-lucros superiores a 16. Em todo o mundo, esse rácio é agora, em média, superior a 21.
O rácio preço-lucros ciclicamente ajustados, que Robert Shiller avisa ser uma métrica superior, gravitou em torno de 17,5 nos EUA desde 1881. Está agora em 36,32. Excluindo meses recentes, este indicador foi apenas superior ao valor mais recente na bolha tecnológica, entre 1998 e 2000.
O excesso de rentabilidade dos lucros ciclicamente ajustados de Shiller — a diferença entre a rentabilidade dos lucros ciclicamente ajustados e rentabilidade implícita das obrigações governamentais norte-americanas — rolou, em média, à volta de 4,6% desde 1881. Está agora em agora em 1,83%. Em 35% dos casos, quando esta métrica foi inferior a 2%, a dívida pública bateu as ações na década seguinte.
- A base de dados de Shiller permite demonstrar que há causalidade estatística entre o excesso de rentabilidade dos lucros e o sobredesempenho futuro das ações.
Acredito que as ações estão historicamente caras. Isto não quer dizer que as ações cairão no curto ou no longo prazo, ou que renderão menos do que as obrigações. Não é apenas o preço que define quão caras estão as ações. Poderão deixar de estar caras se os lucros das empresas aumentarem significativamente, tornando-as mais valiosas, ou se os preços das obrigações treparem.
E agora?
O que McQuarrie, Siegel, Shiller, Dimson, Marsh, Staunton, Ibbotson e todos os outros académicos fazem é ciência: tentam gerar conhecimento pela observação, pela experimentação e pela análise crítica. Os métodos científicos são válidos; as observações e as análises podem diferir. É assim que o conhecimento avança.
Como recordou recentemente Morgan Housel, autor do livro A Psicologia do Dinheiro, “o presidente dos EUA James Garfield morreu porque os melhores médicos do país não acreditavam em germes. (…) Os médicos prescreviam clorofórmio para a asma e cigarros para a febre dos fenos. Injetavam leite de vaca nas veias dos doentes com tuberculose. (…) Felizmente, avançámos.”
McQuarrie não teria avançado no conhecimento do mundo financeiro se Siegel não tivesse escrito o seu livro. É possível que surjam eventualmente novas observações que mudem as crenças científicas que temos agora.
(McQuarrie sonda a possibilidade de os retornos das ações e das obrigações serem fractais como defendeu anteriormente o polímata Benoît Mandelbrot: a variação dos preços dos títulos exibem propriedades de autossimilaridade em múltiplas escalas de tempo; por exemplo, os retornos diários das ações podem desenhar padrões semelhantes aos retornos anuais. Ainda é cedo para ter certezas neste campo.)
Após ler e reler dezenas de estudos e livros e investir horas neste tema, eis as minhas convicções atualizadas:
Ninguém consegue prever os retornos de curto ou de longo prazo dos investimentos. Tudo pode acontecer, independentemente do prazo.
As ações tendem a render mais do que a dívida pública no longo prazo. Nada de novo: sempre defendi esta ideia. A história comprova-a; a teoria demonstra-a; McQuarrie confirmou-a.
As ações tendem a render mais do que as obrigações no longo prazo. Concordo com o que disse Siegel no debate do CFA Institute: “Ainda vejo superioridade nas ações.” Essa superioridade é, contudo, mais magra do que julgava antes de ler o estudo de McQuarrie. Quando se estende o mercado de dívida para incluir outros ramos além das emissões soberanas, como as obrigações de empresas, a vantagem das ações é truncada.
O longo prazo tem de ser realmente longo. Em edições anteriores do boletim tlim, após analisar a bolsa desde 1969, sugeri que, para investir em ações, “7 anos é bom, mas 15 anos é melhor”. Revejo a minha recomendação: 10 anos é bom; para sempre é melhor.
Investir numa ação, numa obrigação, num setor, num tema, numa estratégia ou numa nação é estupidamente arriscado, independentemente da ação, da obrigação, do setor, do tema, da estratégia ou da nação. As bolsas dos EUA tiveram um desempenho excecional no último século, mas isso não é motivo para investir exclusivamente nesse país. Não há motivos para confiar num gestor de fundos que teve um bom desempenho recente.
Tendo em conta estas convicções, o facto de as ações estarem caras, a fiscalidade portuguesa e a incapacidade da maioria de investir para sempre, a minha recomendação principal para os leitores do boletim tlim é um fundo de investimento barato que indexe a sua composição aos mercados acionistas e obrigacionistas mundiais.
Não inovo na divisão patrimonial: Benjamin Graham defendeu algo semelhante no seu livro The Intelligence Investor, de 1949. “A proporção em obrigações não deve ser inferior a 25% nem superior a 75%, com o inverso a ser necessariamente verdadeiro para a componente de ações; a escolha mais simples seria manter uma proporção de 50-50 entre os dois”, escreveu.
O Vanguard LifeStrategy 60% Equity UCITS ETF, que recomendei na primeira edição deste ano do boletim tlim, é um bom ponto de partida para a maioria dos investidores: aplica 60% em fundos de índice de ações mundiais e 40% em fundos de índice de obrigações. Inclui obrigações supranacionais (emitidas pela União Europeia, por exemplo), soberanas (República da Alemanha), federais, regionais ou municipais (Xunta de Galicia), governamentais (Agence Française de Développement), empresariais (Banco Santander, Lufthansa, EDP), emergentes (Malásia, América Móvil) e garantidas por hipotecas (Wells Fargo Commercial Mortgage 2017-C42).
Edward McQuarrie resumiu bem: “Assim que os investidores aceitarem que as ações podem desapontar, independentemente do intervalo, as carteiras diversificadas tornam-se mais atrativas.” ★