As recomendações de investimento e desinvestimento expressas neste livro são da responsabilidade de David Almas e Joaquim Madrinha, analistas financeiros independentes registados na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários com os números oito e dez, respectivamente. Os autores trabalham subordinados ao Código Deontológico dos Jornalistas. As recomendações foram originalmente publicadas em Abril de 2011.
O mais provável é ninguém saber.
Quando, há 10 anos, eu e Joaquim Madrinha escrevemos este livro, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) calculava que os novos trabalhadores com vencimentos medianos iriam receber uma pensão de reforma equivalente a 68% do seu último salário. Agora, no seu mais recente estudo sobre pensões, os economistas dessa entidade estimam que a taxa de substituição será de 88% para os novos empregados. Houve uma melhoria?
Há 10 anos, os governantes portugueses previam a falência do sistema previdencial da Segurança Social entre 2035 e 2040. No relatório sobre a sustentabilidade financeira da Segurança Social da proposta de Orçamento do Estado de 2021, o mais recente governo assume que os primeiros saldos negativos do sistema cheguem antes de 2030. Piorou?
O mais provável é ninguém saber e, por isso, o melhor a fazer é preparar-se.
A melhoria que a OCDE indica não foi alcançada sem sofrimento dos portugueses, como a subida da idade estatutária de reforma por velhice e o aumento das penalizações por aposentação antecipada. Como escrevemos há 10 anos, a solução para a fragilidade da segurança social terá de passar necessariamente por uma combinação de mais anos de trabalho, mais impostos e menores pensões.
Surgiram, entretanto, muitos novos instrumentos financeiros, alguns especialmente interessantes para os investimentos de longo prazo, que tornaram este livro parcialmente desatualizado. O panorama entre os planos de poupança-reforma (PPR) também melhorou ligeiramente: os encargos desceram e, graças, em parte, ao cenário pandémico, flexibilizaram-se os reembolsos.
Infelizmente, as poupanças continuam a não ser encaminhadas para os melhores produtos. O montante investido em PPR aumentou 25% na última década para 20,7 mil milhões de euros em meados de 2020. Mais de 99% desse dinheiro estava, no entanto, alocado a PPR débeis. O maior produto do mercado, que, nessa altura, absorvia 1 em cada 3 euros aplicados em PPR, rendeu 1,9% por cada um dos seus primeiros 13 anos. Bateu a inflação por menos de 0,9 pontos percentuais por ano. Não é assim que se salva a reforma.
Esta edição do Como Salvar a Minha Reforma é praticamente igual ao livro publicado em 2011. Não incluímos, todavia, o último capítulo, “Como o David e o Joaquim poupam para a reforma”, por estar completamente desatualizado: eu aposentei-me 14 anos mais cedo do que previa (aos 41 anos e não aos 55 anos); o Joaquim Madrinha já está a viver num ambiente mais campestre, o que há uma década chamava de “pré-reforma”.
Embora tenhamos desacelerado na vida profissional, continuamos atentos. No boletim tlim, que publico mensalmente, tenho acompanhado regularmente todos os PPR do mercado, além de os comparar com instrumentos alternativos.
É por continuarmos preocupados que disponibilizamos agora a leitura gratuita deste livro para ajudar os portugueses a preparar as suas aposentações. Esperamos que ajude.
David Almas
Dezembro de 2020
Foi nos finais do século passado, quando entrei na vida profissional activa, que tive o primeiro contacto com os planos de poupança-reforma (PPR). Tal como muitos jovens, para além dos namoricos, preocupava-me que, quando chegasse à hora de pendurar a farda, a Segurança Social não tivesse dinheiro para pagar uma pensão suficiente para me alimentar. Assim, quando consegui amealhar o meu primeiro pé-de-meia, fui ao banco subscrever um PPR.
Logo nos primeiros 1000 euros fiquei desiludido: no dia seguinte, quando consultei o saldo do PPR, a minha poupança valia 980 euros. “Quem ficou com os meus 20 euros?!”, perguntei aos meus botões. Como os botões não me responderam, fiz a mesma pergunta a um funcionário do banco. “É a comissão de entrada”, explicou-me. Para que não restassem dúvidas, imprimiu-me o prospecto do produto. O prospecto iluminou-me: como é possível alguém investir numa coisa que cobra dois por cento do dinheiro aplicado logo à entrada, mais dois por cento à saída e ainda dois por cento todos os anos pela gestão? Eu sabia a resposta (os benefícios fiscais fazem esquecer as comissões), mas não deixei de pegar na máquina de calcular e de fazer simulações. “Com estas comissões, se poupar 1000 euros hoje e se as aplicações do PPR ganharem quatro por cento por ano, então dentro de quatro décadas tenho pouco mais de 2100 euros”, deduzi. “Mas isso vale muito pouco daqui a 40 anos! Se calhar 2100 euros daqui a 40 anos compram menos coisas que 1000 euros hoje...” No dia seguinte resgatei o PPR. Ficou claro para mim que os bancos vendiam PPR para satisfazer uma necessidade presente (reduzir os impostos a pagar através dos benefícios fiscais) em vez de ajudarem a aumentar o património futuro dos seus clientes.
Embora me tenha divorciado pessoalmente dos PPR há muitos anos, só quando fui trabalhar para a revista Carteira é que comecei a alertar os leitores para o excesso de comissões. Contudo, só percebi a verdadeira extensão do problema quando escrevi o artigo “PPR rendem menos de 1% acima da inflação”, no Jornal de Negócios, em Novembro de 2009. Depois de analisar 138 PPR, a rendibilidade real média deduzida da comissão de subscrição ficou em 0,63 por cento por ano. Percebi que, se a história se repetisse, quem aplicasse 1000 euros durante 40 anos acumularia o equivalente a 1285 euros a preços de hoje. É muito pouco para quem fica com o dinheiro parado durante quatro décadas.
O derradeiro sinal ocorreu na minha breve passagem pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), a entidade portuguesa responsável pela supervisão dos produtos financeiros. Aqui fiz parte da equipa que avaliava as reclamações dos investidores e, entre os processos que analisei na CMVM, os PPR eram o principal alvo das reclamações. A maioria dos aforradores nem sabe quanto está a pagar em comissões, quando, na maioria dos casos, o peso destes custos é esmagador. O leitor sabe quanto é que já deu a ganhar ao seu banco ou à sua companhia de seguros apenas por ter investido num PPR?
Quando optei por sair da CMVM para voltar ao jornalismo, decidi que era preciso alertar continuamente os leitores para a incapacidade dos PPR na preparação da reforma. Porém, percebi que escrever artigos para jornais e revistas não seria o suficiente. Tenho conhecimento de alguns leitores que mudaram a sua política de investimentos, mas são poucos num universo de mais de um milhão de detentores de PPR. Foi então que nasceu a ideia de escrever o livro que tem nas mãos.
A tarefa era hercúlea: queria recolher informação sobre todos os PPR que já existiram e que, na altura, estimava serem entre três e quatro centenas. O problema é que a maioria dos PPR é uma modalidade de seguro de vida e, ao contrário dos PPR na forma de fundos de investimento, a informação histórica de acesso público é muito reduzida. Queria também compilar a legislação desde a fundação da segurança social portuguesa, o que me obrigaria a analisar um século de publicações legais, e analisar a cobertura noticiosa das mudanças na previdência nacional.
Face à extensão projectada da investigação e à urgência de fazer chegar este alerta aos portugueses, convidei o Joaquim Madrinha para ser co-autor deste livro comigo. Quando trabalhei com o Joaquim no Jornal de Negócios e na Carteira partilhávamos muitas ideias sobre produtos de investimento, incluindo os PPR. Além disso, o Joaquim sempre foi um crítico dos modelos modernos de segurança social. Foi ele quem me fez ver que a segurança social é um Esquema de Ponzi — um conjunto de operações fraudulentas em que é oferecido um retorno aos aforradores mais antigos com o dinheiro investido pelos mais recentes. O caso Madoff é um exemplo recente desse tipo de esquema, mas muitos ainda se lembram do escândalo bem português da D. Branca na década de 1980. Mas, como o Joaquim me demonstrou, a segurança social é claramente o maior Esquema de Ponzi de sempre. A única diferença é que é legal e aceite por todos, pelo menos até que haja contribuintes que o alimentem.
Ainda bem que convidei o Joaquim, porque, se assim não fosse, este livro dificilmente teria sido publicado. O trabalho foi bastante superior ao estimado: reunimos informação sobre mais de seis centenas de PPR e perdemos a conta às centenas de leis e decretos que lemos. Só o conseguimos porque nos entusiasmávamos mutuamente com o desenrolar da investigação.
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O resultado final da investigação é para ser lido por todos. Queremos que os que têm PPR percebam que fizeram mal em subscrevê-los. Queremos que os que não os têm saibam em que produtos devem investir. Queremos que os governantes anteriores, actuais e futuros saibam que os benefícios fiscais só distorceram a actuação dos intermediários financeiros. Queremos que os que não estão preocupados com a reforma ou com a velhice passem a estar. Queremos que percebam que, enquanto a crise financeira actual é seguramente passageira, a bancarrota da Segurança Social é garantida. Queremos que o leitor invista mais no seu próprio futuro. Mais e melhor.
Este livro está dividido em duas partes: uma primeira mais teórica e histórica e uma segunda francamente prática. Nos três capítulos da primeira parte ficará a saber o que é a Segurança Social e como funciona essa entidade que gasta mais dinheiro em pensões e subsídios do que recebe em contribuições dos trabalhadores; será conduzido por mais de um século de história que nos colocou à beira da falência da previdência social e finalmente descobrirá as soluções prováveis dos governos futuros, que passarão necessariamente pelo aumento da idade de reforma, pela redução do valor das pensões e pelo aumento das contribuições dos trabalhadores. Na segunda parte será fornecida toda a informação necessária para concluir que os PPR não são bons produtos para amealhar para a aposentação; navegará pelas melhores alternativas para investir para a reforma sem complicações e lerá sobre algumas estratégias que lhe permitirão poupar ainda mais para os seus anos de descanso.
As duas partes podem ser lidas independentemente, embora aconselhemos a fazê-lo pela ordem descrita. É que a primeira parte fornece os motivos para agir conforme as estratégias descritas na segunda parte. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), uma entidade internacional que pretende estimular o progresso económico global, oferece a primeira razão de alarme. Esta entidade estima que a pensão de um trabalhador português que tenha entrado no mercado de trabalho em 2009 será equivalente a cerca de 68 por cento do seu último vencimento, presumindo a legislação actual e uma carreira contributiva completa. A percentagem varia conforme os rendimentos mensais.
Embora as estimativas da OCDE estejam desenhadas para quem está há pouco tempo a descontar para a Segurança Social, os portugueses de 30, 40 ou 50 anos devem perceber que a perda de poder de compra será uma realidade quando chegarem à aposentação. Naturalmente, quanto mais perto da reforma estiverem, mais próxima será a pensão do valor do último vencimento, mas não será superior nem igual, como aconteceu até há alguns anos.
Muito mudou desde que a OCDE calculou as suas previsões. Nos últimos dois anos, a crise financeira adensou-se, o que fez com que os governos de todo o mundo fossem postos em xeque. Se o organismo internacional falhar nas suas estimativas, será provavelmente por excesso, isto é, as dificuldades das contas públicas deverão obrigar os governos futuros a reduzir ainda mais as pensões a pagar. Se a sua primeira pensão for equivalente a 68 por cento do último salário pode considerar-se um sortudo.
Além do estudo da OCDE, este livro apoia-se no quadro legal vigente no início de 2011. É natural que o sistema da Segurança Social, das pensões e dos PPR continue a mudar fruto da pressão das conjunturas nacional e internacional desfavoráveis. Para contornar as limitações inerentes à publicação de um livro, nomeadamente à impossibilidade de acompanhamento das novidades, desenvolvemos uma página no Facebook para ajudar os leitores a seguirem a realidade das suas reformas futuras. Assim, em facebook.com/minhareforma poderá acompanhar os nossos comentários em tempo real às notícias sobre estes assuntos, bem como usar as calculadoras, que desenvolvemos, de auxílio à preparação da aposentação. É também aí que contamos com o seu contributo para ajudar todos os portugueses a salvar a sua reforma.
David Almas
Janeiro de 2011
A segurança social é, sem dúvida, uma das melhores invenções das sociedades modernas. Antes de ter chegado, o desemprego, a doença ou a velhice eram sinónimos de fome, pobreza e miséria, porque a maioria das pessoas dependia delas próprias para obter o dinheiro necessário para sobreviver. Quem não tivesse um pé-de-meia que colmatasse a falta de rendimento corria um sério risco de cair na penúria. Era, por isso, imperativo poupar. A única alternativa era a família. Não existia o crédito como na actualidade e, na melhor das hipóteses, o pai, o tio ou outro parente próximo eram os únicos “bancos” acessíveis.
Com o advento dos sistemas previdenciais, a obrigação de poupar deixou de ser individual para passar a ser colectiva: todos poupam e todos usufruem da protecção do mecanismo. Os efeitos económicos e sociais desta invenção são incalculáveis. Basta imaginar como seria a sociedade portuguesa se as centenas de milhares de desempregados e de idosos1 não tivessem acesso aos subsídios e às pensões que lhes são conferidas pelo sistema de Segurança Social. Seria um caos económico e social, no mínimo. Mas além da equidade e da justiça social que este mecanismo trouxe às sociedades modernas, o mais impressionante é a dimensão do contrato social e intergeracional estabelecido.
Quando o Orçamento do Estado (OE) para 2011 foi aprovado, o governo português previa que a Segurança Social iria gastar mensalmente 1194 milhões de euros para evitar que mais de um terço da população portuguesa viesse a engrossar o exército de pobres do país. Todavia, o elevado montante não significava que o valor das pensões era alto. Em média, as pensões portuguesas não chegavam aos 270 euros por mês.2 No entanto, no global, é uma factura pesada. Na altura, a soma era equivalente a uma empreitada do TGV de seis em seis meses.
Apesar do esforço financeiro da Segurança Social, não é devido às despesas com pensões e subsídios que Portugal está em dificuldades financeiras — pelo menos por enquanto. É verdade que quase um terço das receitas da Segurança Social é proveniente do OE.3 Porém, não descurando as transferências do Fundo Social Europeu, as receitas da venda de activos e do ponto percentual da actual taxa do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), as principais fontes de receitas da Segurança Social são as contribuições dos trabalhadores e das empresas. Segundo as previsões feitas pelo governo liderado por José Sócrates no OE para 2011, o valor dessas contribuições representará 58,64 por cento das receitas da Segurança Social e 96,11 por cento das receitas do sistema previdencial, o responsável pelo pagamento das pensões de velhice, de invalidez e de sobrevivência e dos subsídios de desemprego, de maternidade, de doença e de morte.
A Segurança Social tem ainda um mealheiro de emergência chamado Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, o qual é alimentado por dois a quatro por cento do valor anual das contribuições realizadas pelos trabalhadores, pelo saldo entre as contribuições recebidas e as pensões pagas e por rendimentos de capitais e de imóveis. No entanto, há dois motivos para não o considerar como fonte de financiamento: o carácter de emergência e a fraca dotação de recursos. Este fundo será útil para quem se reformar a partir de 2035, ano a partir do qual se prevê que o saldo do sistema previdencial passe a ser negativo. Mesmo assim, o Estado terá de encontrar novas formas de financiamento do fundo, caso contrário, esgotar-se-á em menos de dois anos. Em 2010, o dinheiro no mealheiro não chegava sequer para pagar um ano de despesas com pensões.
Na prática, a maior fonte de financiamento da Segurança Social, em particular do sistema previdencial, é o contribuinte, seja ele empregado seja ele patrão. Além dos impostos que pagam e que acabam por financiar indirectamente a Segurança Social através das transferências do OE, a população a trabalhar por conta de outrem desconta 11 por cento do seu salário bruto mensal para o sistema e as empresas contribuem com 23,75 por cento do salário bruto de cada trabalhador. Em meados de 2010, calculava-se que, em média, cada trabalhador financiasse directamente a Segurança Social com 1455 euros por ano, assumindo o ganho médio mensal dos portugueses em Outubro de 2009.4 É um fardo pesado para todos. Sem este encargo, os salários podiam ser mais elevados, as empresas teriam mais lucros e o Estado receberia mais impostos devido ao aumento generalizado da riqueza. Contudo, na verdade, ninguém deseja acabar com ele, porque seria demasiado penoso para a sociedade. Mais de metade da população adulta ficaria privada de uma fonte de rendimento, o que daria origem a enormes desigualdades sociais e a um encolhimento do mercado nacional com consequências para as empresas e para a economia.
Foi para evitar este cenário que o Estado, os patrões e os empregados estabeleceram o contrato social que o sistema previdencial representa: trabalhadores e empresas pagam as contribuições em troca de um rendimento seguro concedido pelo Estado no caso de ficarem impossibilitados de o obter através do trabalho. Apesar da elevada factura a pagar individualmente, todos reconhecem os benefícios colectivos do sistema, nem que seja porque têm medo de vir a ser um dos beneficiários.
O sistema previdencial português concede sete tipos de apoio. É deste gigante mealheiro que saem vários subsídios, como os de desemprego e de doença, e pensões, nomeadamente de velhice, de invalidez e de sobrevivência. Além disso, o mecanismo de previdência suporta ainda despesas para a promoção do emprego, da higiene e da formação profissional, bem como as despesas de administração do sistema. É preciso muito dinheiro para manter a máquina a funcionar: o governo esperava gastar mais de 14,6 mil milhões de euros em 2011, o equivalente a 8,1 por cento do produto interno bruto, o indicador que mede a riqueza gerada no país durante um ano. No entanto, é ao analisar as várias rubricas da despesa que se descobre mais um contrato social estabelecido através do sistema: o contrato intergeracional. Como três quartos das despesas do sistema previdencial estão afectos ao pagamento de pensões, pode dizer-se que, de forma inconsciente, a população activa paga as pensões às pessoas que, por velhice ou invalidez, deixaram de trabalhar. Os pais e os avós aposentados vivem à custa das contribuições que os filhos e os netos realizam através de um regime de poupança forçada ratificado pelo interesse geral da sociedade e da partilha colectiva do risco.
Este contrato intergeracional só existe porque o sistema previdencial nacional assenta num sistema de repartição.5 Tal como faz um qualquer intermediário financeiro, o Estado limita-se a receber os descontos dos trabalhadores e das empresas relativos a um determinado mês e converte-os em pensões mensais, as quais distribui. Ao contrário do que muitos pensam, não há uma conta pessoal na Segurança Social na qual são guardadas as contribuições que os trabalhadores fazem ao longo da sua vida activa e que depois lhes são devolvidas em prestações mensais na aposentação. Este sistema é, porventura, o mais virtuoso em termos de justiça e equidade social, mas a sua gestão e sustentabilidade são de extrema dificuldade devido à dependência de numerosas variáveis económicas, sociais e demográficas, o que tem obrigado os sucessivos governos a modificarem as regras do jogo ao longo dos anos.
A universalidade do sistema previdencial garante que todos os portugueses fazem parte dele e que usufruem da sua protecção desde que cumpram algumas regras que visam a sua sustentabilidade e que previnam abusos. Como não podia deixar de ser, a primeira regra é contribuir para o mealheiro. É uma regra fácil de cumprir porque é obrigatória. Os trabalhadores que não fizerem os tradicionais descontos para a Segurança Social não só não terão acesso à protecção do mecanismo, como serão punidos por lei. Esta obrigatoriedade torna-se por vezes perversa, como acontece no caso dos trabalhadores independentes. Apesar de serem obrigados a fazerem descontos para a Segurança Social, os trabalhadores a recibos verdes basicamente só tinham direito a pensão de velhice até 2010. Não tinham direito a subsídio de desemprego, nem de doença. Após algumas alterações ao regime realizadas em 2010 e 2011, os trabalhadores independentes ganharam direito à protecção na doença e na parentalidade. No entanto, tais ganhos tiveram um preço elevado, como se poderá ver mais à frente, e a protecção no desemprego ficou para uma próxima vez.
Não há dúvida de que esta protecção diferenciada contraria os mais básicos princípios do sistema. Afinal, as contribuições dos trabalhadores independentes também vão para o mealheiro gigante que financia os subsídios de desemprego e outras prestações sociais dos outros trabalhadores. Esta injustiça é ainda maior porque, como são simultaneamente empregado e empresa, os trabalhadores independentes acabam por pagar mais do que os trabalhadores por conta de outrem, que “dividem” a despesa com a entidade empregadora. Enquanto os trabalhadores por conta de outrem descontam 11 por cento, cada trabalhador independente abrangido pelo regime obrigatório descontava 25,4 por cento do vencimento bruto mensal ou, se quisesse ter protecção na doença, 32 por cento. Fruto das alterações legislativas já mencionadas, a taxa do regime-base aumentou para 29,6 por cento a partir de Janeiro de 2011. Ora, se a este encargo se juntar o IVA a que a maioria das actividades estão sujeitas e a taxa de IRS, compreende-se porque a maioria dos profissionais em nome individual optava pelo regime que menos os protegia: o mais barato.
Mudar a legislação de forma a fazer justiça aos valores do sistema parece fácil, mas devido à incapacidade de fiscalização do Estado, o princípio do combate à fraude e evasão fiscal — o álibi dos legisladores para não mudar as regras —, irá prevalecer sobre o princípio da universalidade da segurança social. Há outras injustiças, como a sobreprotecção de alguns regimes especiais de aposentação. Entre os muitos luxos destes regimes estão carreiras contributivas mais curtas e a possibilidade de requerer a aposentação antes da idade legal do regime geral. Até 2010, era possível ainda acumular um terço da pensão com rendimentos do trabalho. Uma auditoria da Inspecção-Geral das Finanças, divulgada em 2009, concluiu que 30 por cento das pensões acumuladas estavam em situação ilegal e a taxa de ilegalidade ascendia a 70 por cento em seis instituições públicas não identificadas.
A segunda regra para manter o sistema sustentável é ser paciente, porque é preciso aguentar a primeira regra durante 15 anos, pelo menos. Embora existam cidadãos que nunca contribuíram para o sistema a receber pensões de velhice, quem estiver agora a iniciar a sua carreira contributiva terá de acumular pelo menos 15 anos de descontos. A este número de anos necessários para ter direito à reforma chama-se prazo de garantia. Durante este tempo, os trabalhadores até podem usufruir do subsídio de desemprego (embora o tempo a receber esse subsídio não conte para os 15 anos) ou de outro tipo de prestações sociais, mas só depois de atingir o prazo de garantia é que terão direito a uma pensão de velhice.
Todavia, desengane-se quem pensa que basta trabalhar e contribuir para o sistema durante uma quinzena de anos para poder solicitar a pensão de velhice. Além dos 15 anos acumulados de contribuições, é necessário ter 65 anos de idade para requerer a aposentação, o que até é fácil uma vez que a esperança média de vida ultrapassa os 75 anos. Mas como o valor da pensão é calculado através da multiplicação da taxa de formação (que começa nos dois por cento) pelo número de anos de contribuições, a pensão a receber seria, no máximo, 30 por cento do salário médio obtido durante a carreira contributiva. Só para dar uma ideia, em 2010, o valor da pensão de velhice paga aos trabalhadores com 65 anos de idade que realizaram descontos para a Segurança Social durante 15 anos foi de 246,36 euros.
Para conseguir uma pensão aos 65 anos de idade com um valor o mais próximo possível do último vencimento é necessário participar no sistema durante 40 anos. Mesmo assim, na melhor das hipóteses, quem se reformar logo que atingir a idade legal e tiver 40 anos de descontos acumulados terá uma pensão equivalente a 92 por cento do salário médio obtido ao longo da carreira contributiva.
Apesar da idade legal de reforma estar fixada nos 65 anos, a legislação prevê que quem tiver 55 anos de idade e uma carreira contributiva com um mínimo de 30 anos possa requerer a aposentação. Porém, não se recomenda a quem não tenha um pé-de-meia que colmate a perda de poder de compra ao passar de trabalhador para pensionista. Para evitar os pedidos de reforma antecipada, que podem transformar-se num fardo demasiado pesado para a sustentabilidade do sistema previdencial, os governos impuseram penalizações ao cálculo das pensões antecipadas que desincentivam qualquer pessoa a aposentar-se mais cedo. É aplicada uma penalização de seis por cento por cada ano de antecipação à idade legal de reforma. Na prática, uma pessoa com 30 anos de descontos pode pedir a reforma antecipada aos 55 anos mas receberá uma pensão equivalente a cerca de um terço da pensão a que teria direito se se reformasse aos 65 anos.
As regras do sistema têm vindo a ser sucessivamente modificadas ao longo dos anos devido à dificuldade em manter a sustentabilidade no longo prazo. Só na primeira década do século XXI foi modificado o método de cálculo da pensão inicial e o valor da taxa de formação das pensões, tomaram-se medidas para inverter o aumento dos pedidos de reformas antecipadas, de forma a adiar a entrada de novos pensionistas no sistema, e deu-se início à convergência da Caixa Geral de Aposentações (CGA) — o sistema de pensões dos funcionários públicos — com o regime geral da Segurança Social.
Em 2002, a revisão da lei de bases da Segurança Social alterou o método de cálculo para apurar o valor de referência da primeira pensão de modo a incluir toda a carreira contributiva. Até aqui, o valor era apurado através da média dos rendimentos obtidos nos dez anos que correspondiam às maiores remunerações dos últimos 15 anos de contribuições. Com esta alteração, o governo liderado por António Guterres pretendia que o valor das pensões reproduzisse com maior fidelidade as remunerações recebidas ao longo da vida profissional e, numa óptica de equilíbrio do sistema, eliminar situações de manipulação estratégica do valor das pensões. No entanto, é fácil perceber que o efeito mais imediato da medida resultou numa diminuição estimada das pensões futuras entre oito e 12 por cento, uma vez que o resultado é diluído pelos menores rendimentos auferidos nos primeiros anos da vida activa.
Para que o efeito da norma não se notasse muito, foram tomadas duas medidas adicionais: criou-se um regime de transição para o novo método de cálculo, que permitia aos contribuintes que já tivessem cumprido o prazo de garantia até ao final de 2001 a opção pela fórmula mais favorável; e aumentou-se a taxa de formação da pensão de dois por cento para um valor máximo de 2,3 por cento. No entanto, a medida teve um efeito secundário: desencadeou-se uma corrida à aposentação antes da idade legal, o que fez disparar o número de pensões antecipadas de 65,4 mil para mais de 112 mil em apenas três anos. Isso obrigou o governo a nova intervenção legislativa que suspendia as regras de aposentação antecipada, de forma a tentar estancar a saída de contribuintes do sistema. Iniciou-se também a convergência das regras de aposentação da CGA para as regras vigentes no regime geral. Até aqui, os funcionários públicos necessitavam apenas de ter 60 anos de idade e 36 anos de descontos para se poderem aposentar sem penalizações, situação que foi alterada através do aumento da idade e do número de anos de contribuições em seis meses por cada ano, para que as regras sejam idênticas às exigidas aos trabalhadores do sector privado no ano 2015.
A antecipação da aposentação voltou a ser possível em 2007. Nesse ano foi aprovada a penalização de seis por cento por cada ano de antecipação da idade legal de reforma, embora somente para o regime geral. Para os beneficiários da CGA mantiveram-se os 4,5 por cento por ano, uma discriminação que viria a prevalecer até à aprovação do OE para 2010. Foi também em 2007 que foi introduzido o factor de sustentabilidade no cálculo do valor de referência das pensões, com o objectivo de minimizar o impacto do aumento da esperança média de vida na sustentabilidade financeira do sistema, uma medida que, como se verá no próximo capítulo, terá um impacto enorme no cálculo das pensões futuras, caso as pessoas teimem em ter vidas cada vez mais longas.
Com o objectivo de incentivar as pessoas a manterem-se activas após atingirem a idade legal da reforma, as bonificações aplicadas ao cálculo do valor de referência das pensões foram melhoradas. Os contribuintes com mais de 15 anos de descontos passaram a ter uma bonificação entre 0,33 por cento e um por cento por cada mês trabalhado entre os 65 e os 70 anos, quando a legislação anterior concedia uma bonificação anual de dez por cento apenas para quem já tivesse 40 anos de descontos acumulados.
Já em 2010, em pleno furacão económico-financeiro, o governo decide acelerar a convergência das regras de aposentação dos trabalhadores da Função Pública com as dos trabalhadores do sector privado. Assim, a igualdade da idade legal de aposentação, que, segundo a legislação de 2005, deveria acontecer em 2015, é antecipada, o mais tardar, para 2013. Simultaneamente, as penalizações, no caso de antecipação da aposentação, são igualadas às praticadas no regime geral e, no cálculo do valor de referência para a primeira pensão, são excluídos os aumentos salariais obtidos desde 2005, uma medida que penaliza os trabalhadores que tiveram aumentos de vencimentos desde então.
Estas alterações às regras de acesso e usufruto do sistema que caracterizaram a última década em Portugal devem-se à evolução negativa das variáveis económico-sociais que condicionam o equilíbrio financeiro no longo prazo. O crescimento económico e a taxa de desemprego são duas delas e, na verdade, nenhuma tem tido a evolução mais favorável. Entre 1999 e 2009, a economia nacional expandiu-se a um ritmo médio anual inferior a um por cento, uma taxa de crescimento incapaz de gerar postos de trabalho em termos líquidos. Prova disso é que, apesar do aumento de 8,7 por cento da população activa, o número de pessoas desempregadas mais que duplicou, o que veio contribuir para a diminuição das receitas do sistema previdencial e para o aumento das despesas com o pagamento de subsídios de desemprego.
Para os mais optimistas, esta evolução pode até nem ser preocupante devido ao carácter cíclico do desemprego e ao peso desta componente no total da despesa do sistema previdencial. Todavia, ao analisar-se a evolução do número de beneficiários de pensões, a evolução do salário médio em Portugal, que dá uma ideia da tendência das receitas, e da evolução do valor das pensões, os dados são irrefutáveis. Entre 1985 e 2009, o número de pensionistas cresceu quase três vezes mais do que o número de trabalhadores que financiam o sistema com as suas contribuições e, para piorar, enquanto a remuneração-base cresceu 4,6 vezes, o valor da despesa com pensões aumentou mais de 12 vezes. Perante tal evolução, não é necessário ser economista ou licenciado numa qualquer ciência financeira para vislumbrar o futuro do sistema. Os políticos até poderão continuar a alterar as regras do jogo de forma a adiar a morte, como fizeram até agora, mas há um problema que nem o engenho político poderá resolver: a evolução demográfica.
As últimas estimativas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), uma entidade internacional que pretende estimular o progresso económico global, são assustadoras: a primeira pensão dos mais novos trabalhadores portugueses deverá ser equivalente a 68 por cento do último vencimento. Embora se encontrem estudos que indiquem que os pensionistas passam a gastar menos quando abandonam a vida activa — já não têm filhos a seu cargo, as prestações do crédito à habitação estão prestes a terminar ou já terminaram, não gastam no transporte para o trabalho, as férias aventureiras e dispendiosas são menos frequentes —, também é verdade que alguns custos continuam a subir meteoricamente — como é o caso flagrante das despesas de saúde. No entanto, é cada vez mais frequente encontrar novos aposentados que não se conseguem libertar das dívidas e outros que, ao tentarem ajudar os filhos endividados, acabam por enfrentar dificuldades financeiras. De qualquer maneira, ninguém aceita que os pensionistas consumam apenas 68 por cento do que gastavam antes de entregarem os papéis para a reforma.
A taxa de substituição de 68 por cento é apenas para os portugueses que têm rendimentos medianos. Em alguns casos, a taxa de substituição líquida de impostos e outras contribuições obrigatórias pode descer até 66,7 por cento, o valor mais baixo desde que a OCDE analisa a Segurança Social portuguesa. Embora a situação em Portugal seja francamente má, há países onde é bem pior, como o México, em que os mais recentes contribuintes terão uma pensão equivalente a 38 por cento do último salário.
Melhor | |
Turquia | 124,0% |
Grécia | 110,4% |
Países Baixos | 105,5% |
Dinamarca | 98,7% |
Luxemburgo | 98,1% |
… | |
Portugal | 68,0% |
… | |
Estados Unidos da América | 47,1% |
Irlanda | 45,6% |
Reino Unido | 44,3% |
Japão | 40,3% |
México | 38,0% |
Pior |
Muito mudou desde que a OCDE publicou o seu vasto estudo sobre as pensões de reforma nos seus estados-membros em Agosto de 2009. A Grécia, que na altura era apontada pela OCDE como a segunda melhor nação a pagar pensões de aposentação, enfrentou uma grave crise financeira. Para salvar a economia grega, os membros da Zona Euro e o Fundo Monetário Internacional (FMI) injectaram 110 mil milhões de euros no país. O controlo da evolução económica pela Comissão Europeia, pelo Banco Central Europeu e pelo FMI levou os governantes gregos a congelar as pensões por um período mínimo de três anos. Assim, é provável que a taxa de substituição na Grécia se reduza bruscamente nos próximos anos.
Em Portugal, a crise financeira, que se sentiu um pouco por todo o mundo, não foi tão grave, mas o governo de José Sócrates também teve de lançar o pé ao travão dos gastos públicos. É por isso que a taxa de substituição de 68 por cento indicada pela OCDE pode ser encarada como uma estimativa optimista.
Apesar de ser mais fácil culpar os sucessivos governos, que pouco fizeram para inverter a tendência da redução das pensões, a principal culpada é a evolução demográfica: há cada vez mais rugas e cada vez menos bochechas redondas de recém-nascidos. O número de idosos que exigem uma pensão é cada vez mais elevado, mas a população activa que contribui para as receitas da Segurança Social não está a acompanhar. As estatísticas não deixam dúvidas: em 1960, por cada sete pensionistas da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações (CGA) havia 194 trabalhadores empregados a descontar; em 2010, pelos mesmos pensionistas havia apenas dez trabalhadores a contribuir para os sistemas de protecção social.
Ter menos filhos é uma tendência do desenvolvimento social. Os números mais recentes mostram que cada dezena de portuguesas dá à luz 14 filhos ao longo da sua vida. No início da década de 1960, uma dezena de mulheres reunia 32 descendentes no conjunto. Logo, a taxa de natalidade em Portugal caiu agressivamente de 24,06 crianças nascidas por ano por milhar de habitantes para 9,8, em 2008.
O decréscimo da fecundidade, conjugada com a redução da taxa de mortalidade — que baixou de 10,69 por ano por mil habitantes em 1960 para 9,8 em 2008 —, resultou naturalmente no envelhecimento da população. As estimativas da Central Intelligence Agency, a agência de informação civil do governo dos Estados Unidos da América, indicam que há tantos portugueses com mais de 40 anos como cidadãos com menos de 40 anos.7
Embora viver mais tempo seja positivo para os portugueses, o aumento da longevidade coloca as suas poupanças sobre pressão. Os avanços tecnológicos, em particular na área da saúde e do bem-estar, estão a aumentar a esperança média de vida. Os meninos que nasceram em 1960 tinham uma esperança média de vida de 60,7 anos e as meninas 66,4 anos, mas, de acordo com os últimos cálculos, esse indicador já ultrapassou os 75 anos para os recém-nascidos masculinos e 81 anos para as bebés. O interessante é que aos 65 anos, a idade legal de reforma, a esperança média de vida é agora de mais 18,19 anos, segundo o Instituto Nacional de Estatística, o que quer dizer que os recém-reformados podem esperar viver além dos 83 anos. A OCDE estima que os portugueses que cheguem a 2040 com 65 anos (portanto, os que nasceram em 1975) poderão viver, em média, até aos 84,4 anos. Tudo indica que a esperança de vida continuará a aumentar nas próximas décadas.
Quem conseguiu poupar durante a vida activa para poder gozar confortavelmente os anos de reforma sabe que é provável que o pé-de-meia se esgote depressa, já que recorrerão mais frequentemente a ele para compensar a taxa de substituição mediana de 68 por cento. A franja da população que está longe da idade de reforma ainda tem tempo para se preparar para o choque de rendimento quando chegar aos 65 anos, mas é preciso programar uma poupança frequente e agressiva para garantir que terá os 32 por cento do último vencimento que não estarão cobertos pela taxa de substituição prevista pela OCDE.
É impossível a previdência portuguesa melhorar nos próximos anos e começar a pagar pensões mais elevadas. Todos os meses a Segurança Social recebe cerca de 1176 milhões de euros pagos por contribuições e quotizações dos beneficiários, mas saem dos cofres 1194 milhões de euros, segundo as contas previstas pelo Orçamento do Estado para 2011. Se não houvesse transferências governamentais, o saldo da Segurança Social chegaria a terreno negativo muito rapidamente. De qualquer maneira, mesmo incluindo essas transferências, a partir de 2035, a Segurança Social deixará de ter dinheiro nas suas contas bancárias. Nessa altura, o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social é activado para salvar os reformados portugueses, mas, infelizmente, não deverá durar muito tempo.
Nem sempre a segurança social viveu sobre o fio da navalha. Embora não houvesse tabelas de mortalidade nem estudos demográficos exaustivos quando se instaurou a segurança social moderna em Portugal, em Maio de 1919, o governo de Domingos Leite Pereira decretou uma larga margem de segurança para garantir a sustentabilidade do sistema. Sabe-se hoje que, na altura, a esperança média de vida dos homens rondava os 35 anos, metade dos 70 anos de idade de reforma fixada por decreto governamental. Assim, o governo assegurava que não haveria muitos velhos a bater à porta do recém-criado Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral a exigir a sua pensão vitalícia.
Mesmo antes de 1919 já havia alguma protecção na velhice. No início do século XIX começaram a ser criadas as primeiras associações fraternais, muitas surgidas da transformação de montepios, organizações populares de crédito e de entreajuda. As associações fraternais, que funcionavam segundo um modelo importado de Inglaterra e de França, eram normalmente fundadas por trabalhadores de um mesmo ofício que amealhavam conjuntamente através de sistemas de quotas para fazer frente a riscos sociais, como a doença, o desemprego, a velhice e a morte. O forte quadro de associativismo operário, em especial nas indústrias urbanas, injectou uma forte dinâmica neste tipo de protecção social a partir de meados do século, quando a designação mais comum passou a ser “associação de socorros mútuos”. A publicação do jornal Ecco dos Operários, a partir de 1850, que se tornou no estandarte do associativismo operário, e o relançamento da economia nacional, na fase da Regeneração liderada por Fontes Pereira de Melo, impulsionaram claramente o associativismo nesta fase da história portuguesa.
Apesar da franca adesão dos trabalhadores das indústrias, o Portugal agrícola e piscatório estava longe de qualquer modelo de associativismo e, logo, de protecção social. Em 1889, 30 anos antes do início da segurança social moderna, havia 392 associações de socorros mútuos, a maioria em Lisboa e no Porto, que incluíam 139 mil associados, um valor que representava apenas três por cento da população portuguesa. Entretanto, a monarquia, pressionada pelas convulsões sociais e pelos partidos políticos, já tinha avançado para o sistema de protecção na velhice dos funcionários públicos. Em 1887, os operários estatais receberam a garantia de obtenção de pensões de reforma a quem pagasse quotas, que eram variáveis consoante a idade dos participantes. Para receber a “reforma ordinária”, no valor de dois terços do vencimento do último trabalho que tivesse durado pelo menos cinco anos, era preciso chegar aos 60 anos de idade e ter 40 anos de trabalho, comprovada impossibilidade física e um histórico de contribuições de dez ou mais anos.
A partir de então começou a surgir um elevado número de “caixas de aposentação”, primeiro a cargo do Estado e, mais tarde, da responsabilidade de empresas privadas. A dispersão dessas caixas trouxe a necessidade de criar uma única instituição que abarcasse todos os trabalhadores por conta de outrem. Ainda se legislou sobre a criação de uma Caixa de Aposentações para as Classes Operárias e Trabalhadoras em 1907, mas a instabilidade política, que culminou no regicídio, não permitiu a concretização da lei.
Nos primeiros anos de instabilidade da I República pouco se fez no domínio da protecção social em Portugal. Contudo, muito trabalho foi desenvolvido noutros países, o que ajudaria a produzir a vasta legislação do novo sistema de segurança social nacional de 1919. Nas últimas duas décadas do século XIX , Otto von Bismarck, o primeiro chanceler do Império Germânico, criou os fundamentos para os modelos da segurança social europeia no cenário de forte intervencionismo do Estado. Começou pela protecção contra acidentes de trabalho. O objectivo do “Chanceler de Ferro” era combater o alastramento do socialismo e dos partidos de esquerda, mas, como os partidos de centro e de direita também não estavam interessados no excesso de poder do Estado, a única possibilidade de Bismarck foi criar uma entidade autónoma cujos fundos resultassem da contribuição dos trabalhadores. Foi, assim, criado o primeiro fundo de segurança social. A Realpolitik de Bismarck estendeu-se à protecção na velhice, em 1889.
Em Portugal, antes do governo liderado por Domingos Leite Pereira suceder ao de José Relvas, no final de Março de 1919, além da Alemanha, já a Áustria, a Dinamarca, a Grã-Bretanha, a Suécia, a Suíça e a Noruega tinham introduzido os novos modelos de segurança social e a França estava a caminho. Foi, no entanto, o sistema britânico, introduzido pelo primeiro-ministro David Lloyd George, aquele que mais influenciou o governo de Leite Pereira. Como diz no preâmbulo da legislação de 19198, o governo português deixou-se conduzir pelos “preciosos frutos” gerados pela lei britânica desde 1912. “Podemos afirmar agora com desvanecimento que também temos o nosso Lloyd George”, dizia o diário A Capital, referindo-se ao ministro do Trabalho, Jorge de Vasconcellos Nunes.9
O trabalho feito pelos outros governos europeus foi fundamental para que Domingos Leite Pereira tenha conseguido publicar em menos de um mês e meio um novo, vasto e complexo conjunto legislativo que cria a segurança social moderna em Portugal. Ainda por cima, o ambiente político nacional estava em convulsão, o que não impediu que, no dia 10 de Maio de 1919, na véspera das eleições legislativas, o governo tenha publicado o mais gordo Diário da República de que há memória (embora, na altura, se chamasse Diário do Governo).
Uma palavra aponta a reforma legislativa de 1919 como a origem da segurança social moderna em Portugal: obrigatória. A partir de então, torna-se obrigatória a participação em esquemas de seguros sociais para “os indivíduos de ambos os sexos que exerçam qualquer função de trabalho, em todos os ramos profissionais”. No mesmo pacote legislativo, para além do seguro social obrigatório na invalidez, velhice e sobrevivência, foi também instituído o seguro social obrigatório na doença e o seguro social obrigatório nos acidentes de trabalho, bem como foram legislados os centros de emprego (“bolsas sociais de emprego”, como se chamavam na altura) e as oito horas obrigatórias de trabalho por dia.
A pensão de velhice era o que menos preocupava Domingos Leite Pereira e os chefes de governo que vieram depois: por cada três escudos que entravam nos cofres do recém-criado Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral através do pagamento de quotas (os trabalhadores pagavam 1,5 por cento do seu salário e os patrões seis por cento sobre os vencimentos pagos) apenas um escudo era para a protecção da velhice. Uma vez que era preciso ter 70 anos de idade e 30 anos de quotas pagas para receber a pensão de velhice por inteiro, naturalmente a principal razão de saída de dinheiro do instituto eram as pensões de invalidez.
Há vários sinais na própria legislação que evidenciam a falta de preparação do governo para gerir o sistema de segurança social. Um deles é o facto de se prever a celebração de “operações de seguros contra a invalidez e velhice com um consórcio de sociedades de seguros nacionais legalmente constituídas no ramo vida”. Na fase inicial da segurança social portuguesa, quem podia gerir as pensões era, na verdade, o sector segurador privado. Curiosamente, quando deixou a vida política, o chefe de governo da altura, Domingos Leite Pereira, presidiu à Companhia de Seguros Douro, uma das que esteve na origem da actual Axa portuguesa.
A pressa de satisfazer os desejos sociais da população, que estava cada vez mais agitada, levou o governo a aprovar medidas pouco estudadas e de fraca adequação à realidade portuguesa. O sistema de segurança social moderna nasceu já um fracasso. Embora obrigatório, a adesão dos trabalhadores foi muito ténue. Uma das razões foi a falta de recrutamento de recenseadores por carência de dinheiro do Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral. Estava previsto que o instituto obtivesse receitas de taxas a cobrar aos bancos e seguradoras, contudo, as instituições financeiras opuseram-se e não pagaram. O ministro do Trabalho chegou a prometer propor ao parlamento a nacionalização dos seguros para aumentar o rendimento do instituto. Passaram-se meses até os bancos e as seguradoras acatarem o pagamento das taxas, o que só aconteceu sob pressão de execuções fiscais.
Face ao falhanço do modelo de segurança social, em véspera do Estado Novo, a confiança no mutualismo enalteceu-se. O número de associações continuava a crescer: no início da década de 1930 havia 533 associações com mais de 575 mil inscritos. O poder das associações foi legalmente aumentado e, a partir de 1931, as associações de socorros mútuos são autorizadas a proteger os sócios através de pensões de velhice, invalidez, sobrevivência e desemprego, bem como assegurar assistência médica, cirúrgica e medicamentosa. “Concentrar no Estado os cuidados e as responsabilidades da administração das instituições de previdência seria praticar erro duplamente funesto”, disse António de Oliveira Salazar, num dos decretos em que incluiu as associações de socorros mútuos no sistema de segurança social.10
Salazar dividiu as instituições de segurança social em quatro categorias, de forma a abarcar toda a população portuguesa. Na primeira estavam as caixas de previdência das Casas do Povo, que reuniam a população rural, as Casas dos Pescadores, que tinham como sócios efectivos os trabalhadores marítimos, e as caixas sindicais de previdência, criadas por iniciativas dos grémios e sindicatos nacionais e respectivas federações e abrangiam os trabalhadores do comércio e da indústria. A segunda incluía as caixas de reforma ou de previdência, que não tinham origem corporativa: podiam nascer da iniciativa de privados (por exemplo, por um grupo de trabalhadores da mesma profissão) ou do governo. As associações de socorros mútuos, de adesão facultativa, constituíam a terceira categoria, enquanto a quarta, também facultativa, destinava-se à previdência social do funcionalismo público, civil ou militar.
O Estado Novo deu liberdade suficiente para cada instituição definir as suas regras de acesso às pensões. Como indicador geral, a idade de reforma foi estabelecida nos 65 anos, numa altura em que apenas uma em cada duas pessoas chegava a essa idade, todavia, várias associações e caixas não reduziram a idade de reforma dos 70 para os 65 anos.
A mão dura do “Ditador das Finanças”, como Salazar era conhecido no início da década de 1930, amolgou o valor das pensões. “Torna-se indispensável não esquecer neste capítulo que o óptimo é inimigo do bom e que a modéstia das nossas posses aconselha que não se pretenda ir longe demais na escolha dos benefícios”, explicou. Assim, a pensão de invalidez permanente e de reforma não podia ultrapassar os 80 por cento do último salário. Estava lançada a base para a perda de poder de compra dos pensionistas.
Nas três décadas seguintes, António de Oliveira Salazar não teve motivos para mexer nas regras do sistema de segurança social, porque a população cresceu incessantemente. Foram várias as razões para a explosão demográfica: a melhoria das condições sanitárias, que reduziu a mortalidade, especialmente a infantil; o aumento da taxa de nupcialidade e a redução da idade média do casamento, que estendeu o período de vida fértil das mulheres; e a travagem da emigração, em resultado da Grande Depressão de 1929 e da II Guerra Mundial. Embora a evolução demográfica fosse bem recebida do lado da previdência social, o Estado Novo chegou a afirmar que havia um “excesso populacional”.
Só quando surgiram sinais de redução da população, nos finais da década de 1950, é que Salazar decide mudar a segurança social portuguesa. Começa por lançar a primeira lei de bases da previdência social em 1962, em que cria a Federação de Caixas de Previdência e Abono de Família, que torna o controlo efectivo das caixas mais simples, uma vez que essa federação passa a representar todas elas. Dias depois cria uma comissão para propor alterações aos estatutos e regulamentos das caixas sindicais de previdência e de reforma. Só em Setembro do ano seguinte é que as propostas se transformam em legislação: as regras são definidas para a Caixa Nacional de Pensões e servem como referência para as restantes cerca de oito dezenas de caixas em actividade em Portugal. Salazar mantém como pensão máxima 80 por cento do salário médio da carreira contributiva, mas acrescenta uma “bonificação”, que, no máximo, elevava a pensão global até aos 140 por cento. Essa “bonificação” pode ser vista como um factor de correcção da elevada inflação que se registou nos anos anteriores devido, essencialmente, à II Guerra Mundial. Mesmo considerando a pensão máxima, a perda de poder de compra dos pensionistas portugueses é evidente: os preços de retalho aumentaram 150 por cento entre 1939 e 1946, segundo um índice de preços calculado na altura pelo Banco de Portugal. Para aceder à pensão, os trabalhadores tinham de trabalhar pelo menos dez anos antes de chegarem aos 65 anos, que era a idade legal para a reforma, embora continuassem a existir caixas que exigiam 70 anos. Foi por esta altura que a esperança média de vida à nascença chegou aos 65 anos, isto é, foi a primeira vez que a esperança de vida ultrapassou a idade de reforma. Mesmo assim, Salazar não estava convencido sobre a razão da existência das pensões de velhice. “Não se mostra uniforme a concepção dos estudiosos sobre o carácter e fundamento das pensões de velhice”, lê-se num dos seus escritos de 1963.11 Entretanto, cerca de um milhão de beneficiários activos já estavam a contribuir com 5,5 por cento das suas remunerações e os patrões com mais 15 por cento sobre os salários pagos.
Pouco mudou até à Revolução de Abril de 1974. Mesmo quando Marcelo Caetano substituiu António de Oliveira Salazar na presidência do Conselho do Estado Novo, poucas alterações se registaram na segurança social, apesar de Caetano ter fortes afinidades com o tema do trabalho e da protecção social. Marcelo Caetano tinha participado activamente na redacção do Estatuto do Trabalho Nacional, publicado em 1933, que incluía a organização da previdência social. A única alteração significativa durante o seu domínio foi conduzida em 1973: instituiu a idade de reforma de 62 anos para as mulheres, eliminou a “bonificação” das pensões que corrigiam o efeito da inflação e apertou a pensão máxima. Assim, as pensões dos portugueses deixavam de poder ultrapassar os 70 por cento do salário médio da carreira contributiva. Felizmente para os pensionistas, essa lei durou pouco: faltavam sete meses para Abril de 1974.
O castelo da previdência social do Estado Novo caiu como um baralho de cartas após o 25 de Abril. O programa do Movimento das Forças Armadas (MFA) previa, entre as medidas de curto prazo, “uma nova política social que, em todos os domínios, terá essencialmente como objectivo a defesa dos interesses das classes trabalhadoras e o aumento progressivo, mas acelerado, da qualidade de vida de todos os Portugueses”.12 Uma das grandes linhas de orientação do I Governo Provisório era a “substituição progressiva dos sistemas de previdência e assistência por um sistema integrado de segurança social”. A Constituição de 1976 reflectiu o desejo do MFA e do governo, garantindo a universalidade do sistema: “todos têm direito à segurança social”.
Uma semana antes do Natal de 1974, surge uma das medidas que atingiu todos os pensionistas na alvorada da revolução: a criação do subsídio natalício, que passou a ser concedido anualmente de igual valor ao da pensão mensal. Posteriormente, incrementou-se a taxa de formação das pensões e reduziu-se, em vários casos, a idade de reforma para os 60 anos.
Muitas outras medidas sociais, à parte das pensões de velhice e invalidez, foram avançadas pelos sucessivos governos, o que acabou por colocar sob pressão o orçamento da segurança social. No início de 1977, face ao previsível défice do sistema, Mário Soares, então primeiro-ministro, aumenta as taxas de contribuição. “Apesar de várias medidas já tomadas destinadas a obter o desejado equilíbrio financeiro, não se mostra viável encarar o desenvolvimento das medidas programadas para o sector da segurança social sem que se alterem as taxas de contribuições que se mantêm desde há alguns anos, apesar dos sucessivos alargamentos do âmbito das prestações sociais a um número cada vez maior de pessoas e de se terem facilitado as condições de acesso às mesmas prestações”, justifica o Decreto-Lei que estabelece o aumento.13 Assim, os trabalhadores passaram a contribuir com 7,5 por cento dos rendimentos e os patrões com 19 por cento das retribuições. Porém, esse aumento não foi suficiente: ainda antes de 1980, as taxas de contribuições subiram para oito por cento e 20,5 por cento para os trabalhadores e os empregadores, respectivamente.
Ainda em 1977, avançou-se para a integração de todo o sector da segurança social, o que se traduziu numa nova estrutura orgânica. Foi criado o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social cujo objectivo era o de coordenar a administração ao nível nacional, evitando a dispersão de funções entre a Direcção-Geral de Previdência, a Federação das Caixas de Previdência e Abono de Família e a Caixa Nacional de Pensões.
Até 1984 muita regulamentação foi produzida na área da segurança social, o que acabou numa complexa e dispersa rede legislativa. Então, nesse ano, o governo do Bloco Central, que resultou do acordo parlamentar entre o Partido Socialista e o Partido Social-Democrata, levou à aprovação da lei de bases da Segurança Social, cuja principal crítica foi ser uma cópia da proposta de lei do partido do Centro Democrático Social, desenhada por António Bagão Félix.
A lei de bases definiu a estrutura da Segurança Social: os princípios gerais, as prestações sociais, quem tem direito a elas, a gestão do sistema, a sua organização e o seu financiamento. É na lei de bases de 1984 que é admitida a criação de esquemas de protecção complementares e autónomos, mas que só viriam a surgir anos mais tarde. A lei de bases foi posteriormente concretizada em novos regulamentos, como o que criou a taxa social única em 1986, já no primeiro governo de Aníbal Cavaco Silva. Desse modo, a partir de Outubro desse ano, os trabalhadores e as entidades patronais passaram a contribuir apenas com uma taxa à Segurança Social, fixada em 11 por cento e 24 por cento, respectivamente. Dois anos depois, foi a vez das pensões serem unificadas: quem tinha descontos para o regime geral de segurança social e para a CGA passou a receber apenas uma pensão em vez de duas.
Duas das medidas na área da segurança social mais importantes nos dez anos de governos liderados por Cavaco Silva aconteceram em 1989. A primeira foi a criação dos planos de poupança-reforma (PPR). Nessa altura, os portugueses estavam há quatro anos a reabituar-se a aforrar em fundos de investimento, depois de vários anos pós-revolucionários sem alternativas às contas bancárias e aos certificados de aforro. Na loucura da valorização da bolsa portuguesa ao longo desse ano, Miguel Cadilhe, então ministro das Finanças, aconselhou os pequenos investidores a optarem por fundos de investimento.14 Os benefícios fiscais oferecidos generosamente pelo governo de Cavaco Silva levaram muitos a preferir os PPR ainda nesse ano.
A segunda grande medida de 1989 foi o lançamento do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS). No final do ano anterior já se sabia que o governo teria receitas extraordinárias em resultado da introdução de um novo sistema tributário do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS). Como todos os ministros exigiam essas receitas para o seu pelouro, Miguel Cadilhe optou por criar e dotar o FEFSS com esse dinheiro, além do património imobiliário das instituições da Segurança Social. Nessa altura já se opinava sobre as dificuldades que a Segurança Social poderia enfrentar várias décadas depois, mas isso só acontecia muito pontualmente.
Apesar de haver algumas vozes a alertar para a insustentabilidade da Segurança Social, os sucessivos governos continuaram a adoptar medidas populares, mas que aceleraram a aproximação do precipício. É o caso do 14.º mês, uma pensão adicional em Julho de cada ano, que representou um enorme esforço para os cofres da Segurança Social, e o regime de pré-reforma a partir dos 55 anos, a que os trabalhadores por conta de outrem puderam aderir desde Agosto de 1991.
Só em 1993 surgiu o pacote legislativo que tinha como objectivo adiar o desastre da Segurança Social. O Decreto-Lei do governo de Cavaco Silva discute, pela primeira vez, o “progressivo envelhecimento da população, quer por força do decréscimo da natalidade quer pelo crescimento dos níveis de esperança de vida”, a “elevada percentagem de pensionistas em relação ao total de beneficiários activos” e “o peso excessivo que apresentam as pensões calculadas com base em carreiras contributivas muito curtas” que tem “penalizado os beneficiários que mais contribuem ou que descontam durante mais tempo”.15 Assim, a revisão do regime de protecção na velhice e na invalidez incluiu o aumento da idade de reforma das mulheres para os 65 anos (igual à dos homens), a impossibilidade de antecipação da reforma antes dos 60 anos, um período contributivo mínimo de 15 anos para ter direito a pensão de velhice e a redução do valor das prestações. Além disso, a taxa de formação desceu de 2,2 para dois por cento. Para compensar, a remuneração de referência passou a ser a média dos dez melhores anos dos últimos 15 anos de trabalho.
As reformas da segurança social iniciadas um pouco por todo o mundo começaram a assustar os portugueses. Logo após a introdução das várias medidas, o governo disse ser inevitável estudar novas fontes de financiamento para a Segurança Social.16
“O aumento médio da esperança de vida da população, aliado ao declínio da fecundidade, a desaceleração dos ritmos de crescimento económico após as crises de 1973, 1979 e da primeira metade dos anos 80, com o consequente aumento do desemprego estrutural, a cada vez mais tardia entrada de jovens no mercado de trabalho e a demora na diversificação das fontes de financiamento são factores que costumam ser apontados como geradores de necessidades de reforma”, explicou António Guterres, o chefe de governo em 1996, quando constituiu a Comissão do Livro Branco da Segurança Social.17 Tratava-se de um grupo de pensadores, maioritariamente da ala política esquerda, que tinham o objectivo de propor ao governo medidas que garantissem “a sustentabilidade da segurança social de forma economicamente eficiente e com respeito pelos princípios de equidade e solidariedade”.
A comissão, composta inicialmente por 16 membros, trabalhou durante um ano e meio para chegar a um pacote de soluções. Uma das principais propostas foi pagar pensões superiores a quem tivesse carreiras contributivas mais longas ou a quem trabalhasse para além da idade prevista de aposentação. Contudo, o grupo não conseguiu chegar a consenso em muitas ideias, como na utilização de toda a carreira contributiva para o cálculo da pensão e no chamado “plafonamento horizontal”, em que se previa limitar as pensões a um intervalo entre um e cinco salários mínimos.
Em 1999, a maior medida de Guterres acaba por ser a flexibilização da idade de reforma. A partir desse ano, quem estivesse disposto a sacrificar parte da sua pensão poderia aposentar-se a partir dos 55 anos. A isso acrescentou-se a possibilidade de adiar a reforma em troca de uma pensão mais elevada, desde que o beneficiário já contasse com 40 anos de descontos aos 65 anos.
A base do esquema de cálculo de pensões ficou definida no final do século XX, após a nova lei de bases, de 2000, proposta pelo primeiro-ministro António Guterres, pelo ministro do Trabalho e da Solidariedade Eduardo Ferro Rodrigues e pelo secretário de Estado da Segurança Social José Vieira da Silva. Essa lei de bases acabou por ser reescrita pelo governo de Durão Barroso dois anos depois, quando António Bagão Félix era ministro da Segurança Social e do Trabalho.
As mudanças que surgiram nos anos seguintes não passaram de afinações que, regra geral, prejudicaram as pensões dos futuros aposentados: toda a carreira contributiva passou a servir de referência para o cálculo da pensão, a penalização da reforma antecipada foi agravada e foi introduzido um factor de sustentabilidade na fórmula de cálculo das pensões, entre outras. O impacto do factor de sustentabilidade é directo: se os portugueses viverem mais tempo, a remuneração dos aposentados será inferior. Esse factor, introduzido no primeiro governo de José Sócrates a partir de uma nova versão da lei de bases, em 2007, quando Vieira da Silva já era ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, eliminou 1,65 por cento do valor das pensões pedidas em 2010. A tendência é para piorar: se a esperança média de vida aos 65 anos subir para os 85 anos, apenas mais dois anos que actualmente, então as pensões descerão dez por cento só à conta do factor de sustentabilidade.
Para combater a descida das pensões, os governos dizem aos futuros aposentados para pouparem mais ou para trabalharem mais.18 Para os interessados na primeira hipótese foram criados em 2008 os certificados de reforma, muitas vezes chamados erradamente de “PPR do Estado”, que permitem um aforro com benefícios fiscais. Os que têm de trabalhar mais para receberem uma pensão de velhice suficiente podem adicionar entre 0,33 e um por cento por cada mês além dos 65 anos que estejam a descontar. Todavia, a melhor opção não é essa. Se quer garantir rendimentos no futuro, basta que invista melhor o seu dinheiro. É sobre isso que os próximos capítulos se debruçam.
A evolução demográfica negativa para o sistema de segurança social não é exclusiva de Portugal, mas é mais acentuada comparativamente a outros países ditos desenvolvidos. Entre 1960 e 2006, a taxa de fertilidade nacional diminuiu 56 por cento, um valor superior à média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) (49 por cento) e à média dos países da Zona Euro (38,9 por cento). Esta tendência, que se verifica desde a década de 1970, deve-se não só à ausência de políticas de fomento da natalidade, como à mudança de estilos de vida e, sobretudo, à insegurança no emprego, à dificuldade em conseguir habitação e ao crescimento dos custos com a educação e a saúde das crianças.19 Com maior ou menor intensidade, todos os membros da OCDE enfrentam o fenómeno do envelhecimento da população, da diminuição da taxa de natalidade e da deterioração de outras variáveis nucleares para a sustentabilidade financeira dos seus sistemas de segurança social. O tema tem sido amplamente debatido nos últimos 20 anos e as conclusões são sempre as mesmas: o valor das pensões pagas pelos sistemas públicos de protecção vai diminuir e a idade legal de aposentação irá aumentar. Não há volta a dar. As reformas realizadas pelos países que mais rapidamente atacaram o problema demográfico dizem isso mesmo.
Devido às diferenças económicas, sociais, políticas e históricas existentes entre países, não há um sistema de pensões perfeito capaz de ser copiado e aplicado a todos. As arquitecturas e os níveis de protecção variam consoante as diferenças culturais, políticas e ideológicas dos países. Porém, através da observação das soluções aplicadas noutros países, é possível detectar tendências e vislumbrar um pouco do futuro do sistema de pensões nacional.
Em Portugal, o sistema de pensões é garantido pela conjugação equilibrada de três pilares, um conceito desenvolvido pelo Banco Mundial em 1994.20 O primeiro pilar, a segurança social pública por repartição, garante as pensões fundamentais para a cobertura dos riscos sociais, como o desemprego, a doença e a velhice, de acordo com a evolução da carreira contributiva. O segundo pilar, a segurança social complementar, é onde se enquadram os regimes paralelos obrigatórios, públicos ou privados, e em regime de capitalização. O terceiro pilar, que consiste nos diversos esquemas individuais de poupança facultativos, proporciona rendimentos adicionais após o abandono da vida activa. Esta arquitectura é muito semelhante à utilizada por outros países desenvolvidos, o que muda é a força que cada pilar exerce na formação das pensões de aposentação.
Devido às dificuldades de sustentabilidade impostas pela demografia aos sistemas de repartição como o português, o primeiro e, até há pouco tempo, o principal pilar dos sistemas de segurança social está a ser substituído pelos segundo e terceiro pilares. As reformas realizadas no final do século passado por alguns países no sentido de combater os efeitos da evolução demográfica negativa comprovam-no. Há países que até se podem gabar da sustentabilidade financeira que as alterações trouxeram mas, como se poderá ver, tal não significa que os actuais e futuros pensionistas tenham razões para dormir descansados.
O sistema de pensões chileno, implementado em 1981 e arquitectado por José Piñeras, é talvez o exemplo mais extremo de um sistema fortemente alicerçado no segundo pilar. É um sistema totalmente privado, em que os trabalhadores realizam contribuições obrigatórias para fundos de pensões geridos por sociedades gestoras privadas, em regime de capitalização, com o objectivo de suportar as pensões dos participantes quando estes se aposentarem.
Os prós e contras deste sistema vêem-se consoante a percepção do observador sobre qual deve ser o papel do Estado no garante das pensões de velhice da população. Há quem defenda que evita a ineficiência e a iniquidade do sistema de pensões público e os conflitos intergeracionais. Mas há também quem prefira sublinhar a perda de segurança e de solidariedade, um dos princípios básicos dos sistemas de segurança social. Ambos têm razão: a gestão privada realizada por especialistas produz maiores rendimentos que a gestão pública, mas deixa-a à mercê da volatilidade dos mercados de capitais. Na Irlanda, o valor real dos fundos de pensões desceu 37,5 por cento em 2008 e em Israel houve mesmo a primeira salvação do Estado a um destes organismos, quando o governo local decidiu compensar cerca de 200 mil pensionistas pelas perdas originadas pela crise financeira.21 A salvação estatal custou cerca de 27,2 mil milhões de euros e abrangeu cerca 15 por cento da população com mais de 55 anos. Na Argentina, os fundos de pensões privados foram mesmo nacionalizados com a justificação de que era a única maneira de proteger os contribuintes da crise financeira mundial. Todavia, segundo os responsáveis da OCDE, tratou-se mais de uma manobra contabilística para obter dinheiro fresco para os cofres do Estado, tal como o governo português fez com o fundo de pensões da Portugal Telecom, no final de 2010.
Intervenções como as dos estados argentino e português representam o risco oposto ao risco dos mercados de capitais. Nos tempos que correm, a segurança que o Estado representa é inferior ao risco de manipulação governamental em desfavor dos actuais e futuros pensionistas. Um risco que os beneficiários portugueses sentem e vão continuar a sentir.
Além do risco dos mercados de capitais, um sistema assente na gestão privada não vê a sociedade como um todo. Cada trabalhador passa a descontar apenas para si e não para a sociedade. O Chile sentiu esse efeito logo nos primeiros anos de transição. Com a diminuição abrupta das contribuições para o sistema público, o estado chileno teve de compensar a perda de receita que financiava o pagamento das pensões sociais (rendimento mínimo, sobrevivência, etc.) e benefícios concedidos pelo Estado. Em poucos anos, seria gasto o equivalente a quatro por cento do produto interno bruto para suportar a despesa com as pensões que antes eram pagas pelas contribuições obrigatórias dos trabalhadores.
O papel que o Chile concedeu ao segundo pilar na formação e gestão das pensões de velhice dos cidadãos é inovador, mas não é perfeito. Cerca de 30 anos depois, o sistema chileno é mais sustentável que o alemão e um dos que funciona melhor entre os membros do Melbourne Mercer Global Pension Index, um índice que avalia os sistemas de pensões de 11 países dos cinco continentes.22 No entanto, é o que tem o menor índice de adequação23 à realidade socioeconómica do país.
Por motivos óbvios, o exemplo chileno jamais seria aplicado em Portugal, nem em nenhum país da Europa continental. Os europeus valorizam muito o papel do estado-providência e não estão dispostos a abdicar dele. Além disso, dado o nível de protecção social na Europa, se os estados ficassem privados das contribuições dos trabalhadores tal como aconteceu no Chile, o aumento dos custos seria catastrófico para as finanças públicas e levaria certamente a um aumento generalizado dos impostos.
Mais assente no primeiro pilar que o Chile, mas também com uma forte componente de gestão e poupança privadas, o segundo e o terceiro pilares, está o sistema de pensões norte-americano. Nos Estados Unidos da América, o sistema de pensões funda-se numa fórmula a que os especialistas chamam de “pagar ou jogar” (pay or play, na versão original). Baseia-se na contribuição obrigatória para dois “mealheiros”: para o público (o “pagar”) e para um regime privado que assegure um rendimento complementar aos trabalhadores quando estes atingem a idade de aposentação (o “jogar”). Esta última opção é válida apenas para a parte complementar da pensão, uma vez que as empresas são sempre obrigadas a contribuir para o regime público, embora com limites que têm em consideração a existência de esquemas complementares. E são muitos: cerca de 45 por cento dos trabalhadores norte-americanos são participantes de fundos de pensões e 35 por cento tem um plano de poupança individual.
Este peso dos sistemas privados explica por que a taxa média de contribuição dos trabalhadores norte-americanos para o sistema público de pensões é de apenas 12,4 por cento, quando a média dos países da OCDE é de 21 por cento. No entanto, como esta opção só é possível para empresas com alguma dimensão e saúde financeira, quem não trabalha numa delas terá de recorrer a esquemas de poupança privados, caso contrário, sujeita-se a receber uma pensão com o valor mediano de 47,1 por cento do último salário recebido, de acordo com a OCDE, assumindo a aposentação aos 65 anos com 40 anos de descontos.
É verdade que o estado social norte-americano não se equipara ao paradigma da maioria dos países europeus. Entre outras diferenças, é menos protector e tem um fraco índice de adequação. Em 2010, o valor da pensão mínima norte-americana rondava os 168 euros, um montante ainda inferior ao pago em Portugal (189,52 euros). Além disso, a sustentabilidade financeira no longo prazo é, talvez, mais débil que a do sistema nacional. Tal como em Portugal, em 2010, as despesas da segurança social norte-americana ultrapassaram as receitas, algo que não acontecia desde 1983. Segundo o relatório anual da Social Security and Medicare Boards of Trustees, o buraco, estimado em 30 mil milhões de euros, deverá diminuir em 2011 e até regressar a excedente em 2012 e 2013. Porém, em 2014, com a entrada da geração dos baby boomers (a população nascida em meados do século XX), o sistema entrará em ruptura. Os défices serão então tapados pela venda de activos do fundo responsável pelo pagamento das pensões de velhice, o Old-Age and Survivors Insurance Trust Fund, até 2037, ano em que o fundo deixa de ter dinheiro.
É claro que até às datas referidas, a administração norte-americana tomará medidas e realizará reformas para adiar o colapso do sistema, tal como fazem todos os responsáveis políticos de outros países sempre que o problema se coloca. Foi também o que fez a Suécia, quando reformou o seu sistema de pensões no final da década de 1990. No entanto, para muitos especialistas, os suecos fizeram aquela que é até agora considerada a melhor transição de um sistema de redistribuição, semelhante ao português, para um sistema mais individualizado, de acordo com as contribuições de cada um. Não foi um ajustamento fácil. Basta pensar na reacção dos trabalhadores suecos quanto lhes alteraram a fórmula de cálculo da pensão de forma a reflectir toda a carreira contributiva e não os melhores 15 anos dos últimos 30. O impacto ainda foi maior, quando os obrigaram a contribuir com metade da taxa de contribuição global (18,5 por cento) para o sistema, quando, até então, eram as empresas que assumiam a totalidade das contribuições.
Com a reforma implementada em 1999, as contribuições dos trabalhadores suecos nascidos após 1953 passaram a ser distribuídas por dois mealheiros: 90 por cento das contribuições destinam-se a alimentar o sistema redistributivo e os restantes dez por cento são repartidos por fundos aplicados em contas individuais em regime de capitalização integral. Recorde-se que, em Portugal, também é possível descontar até seis por cento do salário para um fundo gerido pelo Estado em regime de capitalização (o Fundo de Certificados de Reforma). Todavia, ao contrário do que acontece no país escandinavo, esta opção é facultativa e não há hipótese de escolha do fundo, enquanto na Suécia, um terço dos dez por cento das contribuições dos trabalhadores é aplicado num fundo de gestão privada, escolhido pelo contribuinte.
Estas medidas complementadas com outras, como a imposição de tectos máximos ao valor das pensões pagas pelo Estado, que convidam os trabalhadores com maiores rendimentos a adoptar esquemas privados de poupança, e o regime de capitalização virtual individual das contribuições realizadas para o bolo do sistema redistributivo à taxa de crescimento económico do país e não à taxa de subida dos salários, fizeram do sistema de pensões sueco uma referência de sustentabilidade. Mesmo assim, não houve escapatória possível ao ajustamento demográfico. A taxa de substituição sueca é de 64,1 por cento, um valor inferior à taxa portuguesa, e a idade legal de aposentação, apesar de ainda ser flexível entre os 61 e os 67 anos, está em vias de ser aumentada para os 70 anos.
O aumento da idade da reforma é uma das variáveis a que os estados irão recorrer cada vez mais para adiar a morte da segurança social como a conhecemos. Foi este o apelo da União Europeia (UE) quando, em Junho de 2010, lançou o novo debate sobre os sistemas de pensões europeus através da publicação do Livro Verde sobre as Pensões, no qual convidou os estados-membros a aumentarem progressivamente a idade legal de reforma dos 65 para os 70 anos. As razões são simples: depois da esperança média de vida nos países da UE ter aumentado cinco anos nos últimos 50, estima-se agora que, até 2060, as pessoas vivam mais sete anos, o que, combinado com as baixas taxas de fertilidade dos países da região, torna os sistemas de pensões insustentáveis. Hoje, na UE, existem quatro trabalhadores para cada pensionista, um rácio de deverá diminuir para dois trabalhadores por cada reformado até 2060.
Devido aos desequilíbrios provocados pela crise nas finanças públicas europeias, muitos países decidiram antecipar-se ao aumento das idades de reforma. Em França e em Espanha, os governos esforçaram-se para conseguir aumentar a idade de aposentação para 67 anos. Nos Países Baixos está em marcha um plano de aumento para essa idade legal de aposentação e no Reino Unido há o compromisso de aumentar para os 68 anos até 2046.
Todavia, aumentar a idade legal de aposentação não resolve o problema, alertam vários especialistas. Pelo contrário, cria um conflito intergeracional, porque obriga os pensionistas futuros a trabalhar mais anos que os actuais e pode até ser um tiro no pé das finanças públicas devido ao aumento do desemprego. Na Alemanha, apesar de, em 2007, se ter aprovado um regime de transição progressiva da idade de aposentação dos 65 para os 67 anos entre 2012 e 2029, em 2010 chegou-se à conclusão que é indispensável aumentá-la para os 70 anos, algo que é considerado por muitos como utópico. Isto porque apenas um quinto dos desempregados com mais de 60 anos consegue arranjar emprego e porque um quarto dos alemães com idades compreendidas entre os 55 e os 59 anos tem de se reformar antecipadamente porque estão demasiado doentes para trabalhar.
No caso português, segundo um relatório do FMI, basta aumentar a idade legal de aposentação em dois anos para conseguir estagnar as despesas com pensões ao nível de 2010 nas próximas duas décadas. O organismo internacional diz até que se obtém um efeito melhor que o conseguido com a diminuição do valor das pensões. Porém, várias vozes se opuseram, receando um aumento do desemprego. Logo, há que pesar os pratos da balança porque, em regra, o valor mensal de um subsídio de desemprego é superior ao valor mensal de uma pensão, o que poderá acentuar ainda mais o desequilíbrio das contas públicas. Uma alternativa ao aumento da idade de reforma é a aplicação do plafonamento horizontal, já previsto na lei, mas não aplicado ainda, devido aos efeitos desequilibradores para o sistema no curto prazo. Com o plafonamento, quem auferir um rendimento superior a cinco salários mínimos será “convidado” a descontar para planos complementares de reforma, públicos ou privados, para que estes compensem o rendimento perdido na pensão que receberão do sistema público. Ainda assim, os efeitos desta regra na sustentabilidade do sistema só se sentirão 20 a 30 anos após a sua implementação.
Apesar das múltiplas diferenças, os sistemas de segurança social de todo o mundo têm, pelo menos, duas características comuns: o aumento da responsabilidade individual na formação da pensão de velhice e o recurso aos mercados de capitais. Goste-se ou não, o futuro da segurança social será uma espécie de regresso ao passado, aos tempos em que cada indivíduo poupava para quando a força lhe faltasse ou a doença o impedisse de trabalhar. É certo que o Estado não deixará de proteger os contribuintes na doença, na invalidez e na velhice, nem que isso represente abusar fiscalmente das crianças e dos adolescentes de hoje que, sem sequer poderem votar, verão os seus direitos diminuídos em relação aos dos seus antepassados. Mas, a avaliar pela evolução demográfica recente, pelos desenvolvimento no mercado de trabalho e na economia nacional, é fácil perceber que será necessário trabalhar mais anos para receber uma pensão cada vez menor. Logo, quem pretender manter o nível de rendimento e de vida quando passar à reforma, não tem outro remédio que não seja o de poupar. O desafio que se coloca é saber quais as melhores soluções para o pé-de-meia.
Quando a década de 1980 estava a expirar surgiram os primeiros avisos sobre a insustentabilidade da Segurança Social. As normas introduzidas pelo governo de Aníbal Cavaco Silva não eram suficientes para garantir que os futuros aposentados conseguiriam ter uma reforma descansada. Foi então, em 1989, que o governo criou o que viria a ser o futuro êxito de vendas dos bancos e das companhias de seguros: os planos de poupança-reforma (PPR).
O objectivo dos governantes era claro: acalmar os portugueses, oferecendo um gordo benefício fiscal. No primeiro ano dos PPR era possível deduzir ao rendimento colectável o montante aplicado até 500 contos (2493,99 euros), desde que não se ultrapassasse 20 por cento do rendimento bruto. “No futuro, a sua situação financeira será motivo suficiente de descanso” com um PPR, dizia o anúncio do Instituto de Seguros de Portugal, que, na altura, era a única autoridade supervisora destes produtos.24
As companhias de seguros e as sociedades gestoras de fundos de pensões aproveitaram naturalmente o optimismo para conseguir novos clientes. A Futuro assegurava, “no primeiro ano, uma remuneração de, pelo menos, 45 por cento do montante investido”, o que resultava de uma taxa de rendibilidade de 17,5 por cento e uma poupança de 27,5 por cento no IRS.25 A Companhia de Seguros Império, uma das primeiras a publicitar o seu produto, o Império PPR, prometia uma rendibilidade efectiva de 23 por cento por ano, assumindo uma rendibilidade anual média do PPR de 15 por cento durante uma década.26 Apesar das taxas de mercado estarem na altura acima dos dez por cento, obviamente as expectativas não vieram a ser confirmadas.
O sucesso da campanha pré-natalícia sobre os PPR foi claro. O Record PPR, por exemplo, na altura gerido pela Gan-vie, o segundo PPR lançado no mercado e que esteve em comercialização até Abril de 2009, reuniu cerca de um milhão de euros em apenas três semanas.27 E, desde então, todos os anos, bancos, seguradoras e gestoras de fundos promovem agressivamente a subscrição de PPR. Uma década depois do seu lançamento, os aforradores portugueses já tinham cinco mil milhões de euros aplicados. Outra década depois, o saldo ultrapassava os 15 mil milhões de euros. Os números de Junho de 2010 mostram que os PPR valem mais de 16 500 milhões de euros, o que corresponde a cerca de um décimo do produto interno bruto.28 Em termos de sucesso de vendas, os PPR apenas ficam atrás dos depósitos a prazo e dos seguros de capitalização. No primeiro semestre de 2010, o valor global dos PPR ultrapassou, pela primeira vez, a poupança acumulada em certificados de aforro.
O forte fluxo de dinheiro que entra nas carteiras dos PPR fermentou verdadeiramente alguns produtos. Embora a maioria não ultrapasse os 100 milhões de euros, há pelo menos um que vale mais de dois mil milhões de euros, o que lhe permite ficar comodamente entre os dois por cento de organismos de investimento colectivo maiores do mundo.
Muitas famílias já se habituaram de tal forma a subscrever PPR em Dezembro que reservam uma parte do subsídio de Natal para o efeito, sem ponderarem se estão a fazer bem. Algumas vêem a aquisição de PPR como um método de ter dinheiro para as férias no ano seguinte, graças à devolução da dedução do IRS pela autoridade fiscal. Assim, o número de agregados familiares a declarar PPR na submissão fiscal anual continua a aumentar.
Os estudos de mercado indicam que há 1,2 milhões de subscritores de PPR.29 As últimas estatísticas mostram que um em cada cinco agregados familiares declarou em 2008 a subscrição de PPR à Direcção-Geral dos Impostos.30 Isto quer dizer que um quinto das famílias portuguesas tem mais dinheiro aplicado em planos privados de reforma do que todas as famílias portuguesas têm no Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, o património público que tem por objectivo assegurar as despesas com pensões por um período mínimo de dois anos. Em 2010, as previsões indicavam que esse fundo teria 9,6 mil milhões de euros no final de 2011.31
Embora os benefícios fiscais sejam iguais para todos, nem todos os PPR nascem iguais. Os fundos de poupança podem assumir uma de três formas legais: fundos de investimento, fundos de pensões ou fundos autónomos de uma modalidade de seguros do ramo vida. Os PPR na forma de seguros são claramente os mais populares, já que representam 90 por cento do mercado. Os seguros tendem a garantir o capital investido e, muitas vezes, também uma rendibilidade mínima anual, o que pode justificar o seu sucesso, porque já se sabe que os portugueses são aforradores conservadores.
Apesar de haver três estruturas legais possíveis, os activos dos PPR não têm de diferir muito. Uma das poucas excepões está na possibilidade dos fundos de pensões e dos fundos autónomos de seguros do ramo vida poderem investir 20 por cento do capital directamente em terrenos e edifícios e outros 20 por cento em créditos de empréstimos hipotecários, algo que os fundos de investimento não podem fazer.
Seguros PPR | Fundos de investimento PPR | Fundos de pensões PPR | |
---|---|---|---|
Capital garantido | Frequentemente | Não | Raramente |
Rendibilidade garantida | Frequentemente | Não | Raramente |
Comissão de subscrição média | 1,45% | 0, 59% | 0,77% |
Rendibilidade anual média 2005-2009 | 3,48% | 1,61% | 1,53% |
Pode investir em… | Acções, obrigações, fundos, outros títulos, depósitos bancários, terrenos, edifícios, créditos hipotecários | Acções, obrigações, fundos, outros títulos, depósitos bancários | Acções, obrigações, fundos, outros títulos, depósitos bancários, terrenos, edifícios, créditos hipotecários |
Máximo em acções | 55% do património | 55% do património | 55% do património |
Supervisão | Instituto de Seguros de Portugal | Comissão do Mercado de Valores Mobiliários | Instituto de Seguros de Portugal |
Montante aplicado (Junho de 2010) | 14 888 milhões de euros | 1289 milhões de euros | 408 milhões de euros |
Qualquer que seja a forma legal, os PPR não deverão conseguir ajudar os particulares a sobreviver nos anos de aposentação. Um relatório do Fórum Económico Mundial, a organização dos principais líderes políticos e empresariais conhecida pelas reuniões anuais em Davos, na Suíça, lançou uma sombra bastante negra sobre os planos de reforma privados.32 Os cenários do grupo de trabalho mostram que esse tipo de planos funciona como uma lotaria: quando chegar a sua hora de se reformar pode não haver dinheiro para a velhice.
O caso mais alarmante é o de um trabalhador hipotético japonês. Se ele se tivesse reformado pouco antes de 1990, dentro de algumas condições específicas, receberia na reforma o equivalente a 60 por cento do seu último vencimento depois de contribuir com cinco por cento do seu salário durante 40 anos. Todavia, se a passagem à reforma só acontecesse dez anos depois, em 2000, o trabalhador japonês teria de sobreviver com dez por cento do salário.
Além do Japão, os economistas do Fórum Económico Mundial só simularam para os Estados Unidos da América e para o Reino Unido, cuja situação é melhor, mas de qualquer maneira preocupante (os que se reformarem recebem cerca de 15 por cento do último salário). A lotaria da reforma resulta directamente da volatilidade dos mercados. Se as bolsas caírem nos anos anteriores à aposentação, as pensões privadas são conduzidas para a miséria. É natural que os mercados acabem por recuperar porque funcionam por ciclos, mas haverá sempre uma geração (ou parte dela) que se reformará nas piores condições possíveis.
Em Portugal, tudo indica que os PPR estão numa situação mais segura, porque a legislação obriga os gestores responsáveis pelos produtos a serem conservadores. Desde a sua criação, em 1989, que a exposição permitida ao mercado accionista, visto tradicionalmente como fonte de maior risco, tem vindo a aumentar. O limite ficou fixado em 55 por cento em 2004, embora a maioria tenha uma percentagem muito inferior. Contudo, isso não impede que o pior desempenho anual de um PPR tenha sido uma perda de quase 30 por cento. Mas as perdas e os ganhos dos PPR não se contabilizam apenas pela rendibilidade, como se verá a seguir. São várias as razões para que a maioria das pessoas não deva subscrever PPR.
Não estranhe se, ao subscrever um PPR, ficar imediata e automaticamente mais pobre. Ao entregar 1000 euros numa poupança para a reforma, a maioria dos investidores deve esperar perder logo 15 euros. É esse o efeito que a comissão de subscrição tem no seu bolso: em vez de começar o pé-de-meia com 1000 euros, na verdade parte mais atrás com 985 euros. No universo de 613 PPR analisados para este livro, encontraram-se tantos produtos com uma comissão de subscrição máxima acima de 1,5 por cento como os que tinham uma comissão inferior.
Mínimo | Mediana | Máximo | |
---|---|---|---|
Comissão de subscrição | 0,00% | 1,50% | 29,00% |
Comissão de resgate | 0,00% | 2,00% | 10,00% |
Taxa anual de custos33 | 0,00% | 1,00% | 6,24% |
Esses 15 euros que a entidade gestora do PPR encaixa por cada 1000 euros investidos podem ter um impacto significativo no seu futuro. Uma poupança anual de 2000 euros durante 30 anos que renda cinco por cento por ano acumula 139 521,58 euros no final do trigésimo ano. Contudo, se for cobrada uma comissão de subscrição de 1,5 por cento, o resultado da poupança é de 137 428,76 euros, menos 2092,82 euros. Isto quer dizer que, ao evitar a comissão, ganha-se o equivalente a mais de um ano de poupança ao fim de três décadas.
A Associação Portuguesa de Seguradores, que representa as companhias de seguros, argumenta que normalmente optam por cobrar uma comissão mínima. Todavia, a Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios, que reúne a maior parte das sociedades gestoras de fundos, justifica as comissões mais elevadas pelas obrigações declarativas adicionais dos PPR.34 No entanto, isso não faz sentido, porque há alguns, embora poucos, PPR que não são alvo de qualquer comissão de subscrição pela sua sociedade gestora.
Infelizmente, os custos dos PPR não terminam na sua subscrição. Quando chegar a tão esperada altura de reaver o dinheiro, a companhia gestora do PPR pode querer ficar com um pedaço do seu património acumulado. A comissão de reembolso chega muitas vezes aos dois por cento do valor recebido, embora a maioria dos PPR subscritos nos últimos anos não facturem essa comissão se o resgate for efectuado dentro das condições previstas pela legislação em vigor (reforma por velhice, desemprego de longa duração, incapacidade permanente para o trabalho, doença grave, aos 60 anos e sempre após cinco anos de aforro).
Embora as companhias de seguros e as sociedades gestoras de fundos tenham abusado das comissões de subscrição e de reembolso ao longo das últimas duas décadas (as comissões de subscrição chegaram aos 29 por cento e as de reembolso aos dez por cento), é verdade que os custos directos dos PPR têm vindo a descer. E quando isso não aconteceu, as comissões foram reduzidas por decreto governamental.
Em Março de 2009, o governo liderado por José Sócrates decidiu limitar as comissões de transferência de PPR. Quando um aforrador não está satisfeito com o desempenho do seu produto de reforma, pode solicitar a mudança para outra entidade gestora. Até 2009, o pé-de-meia de reforma mudava rapidamente de casa, mas os gestores que viam o capital a fugir tinham direito a cobrar o que quisessem pela transferência. Em alguns bancos, a comissão de transferência podia chegar aos nove por cento, isto é, só por fazer a poupança transitar de um banco para outro, os investidores podiam ficar nove por cento mais pobres.35
A nova legislação, que veio actualizar o panorama regulamentar dos PPR, proibiu a comissão de transferência. “As elevadas comissões aplicadas na transferência dos planos de poupança têm funcionado como instrumentos de fidelização, criando entraves à concorrência do mercado”, explicou o governo.36 A única excepção prevista para cobrar uma comissão de transferência é nos PPR que tenham garantia de capital e de rendibilidade. Mesmo assim, essa comissão ficou limitada a 0,5 por cento do valor a transferir.
Os grupos financeiros esticavam as comissões de transferência porque a mudança de PPR é sinónimo de perda da mais importante fatia do seu rendimento anual, que são obtidos através das comissões de gestão e de depósito. Essas comissões pagam a administração e a guarda do dinheiro que está nos planos de reforma.
A base de dados de PPR compilada para este livro mostra que as entidades gestoras cobram cerca de 1 por cento por ano em comissões de gestão e de depósito.37 Logo, as sociedades gestoras de PPR facturam cerca de 165 milhões de euros por ano para gerir e armazenar as poupanças que os portugueses estão a amealhar para a aposentação. A isso ainda somam as comissões de subscrição, de reembolso e, por vezes, de transferência que cobram.
É muito dinheiro que sai dos bolsos dos aforradores para os cofres dos bancos, das seguradoras e das sociedades gestoras de fundos, apenas porque decidiram investir para a velhice. Ninguém se importaria de pagar essas comissões se o retorno alcançado o justificasse. Porém, nem sempre isso acontece.
Desde que foram criados, os PPR valorizaram cerca de quatro por cento por ano. Até parece que é um bom registo, tendo em conta que, nos finais de 2010, as taxas de juro e a inflação rolavam perto dos dois por cento. Mas não é: os quatro por cento estão fortemente enviesados para a primeira década dos PPR, quando as rendibilidades facilmente chegavam aos dez por cento. É preciso colocar o desempenho dos planos de reforma em perspectiva.
Como se pode ver na tabela seguinte, as rendibilidades no início da década de 1990 primavam pelos dois dígitos, mas eram acompanhadas de perto pela elevada inflação. Os retornos anuais desceram progressivamente até 2008, quando a rendibilidade mediana foi de três por cento. O ano seguinte já foi mais positivo, permitindo inclusive que o melhor PPR tenha ganho 30,79 por cento.
Mínimo | Mediana | Máximo | Inflação38 | |
---|---|---|---|---|
1990 | 12,33% | 16,50% | 20,00% | 13,62% |
1991 | 16,00% | 17,50% | 21,00% | 12,02% |
1992 | 13,10% | 14,79% | 17,88% | 9,50% |
1993 | 10,01% | 13,00% | 19,05% | 6,77% |
1994 | 1,50% | 7,50% | 12,03% | 5,41% |
1995 | 3,79% | 8,50% | 13,00% | 4,20% |
1996 | 4,00% | 8,25% | 17,30% | 3,11% |
1997 | 4,00% | 7,40% | 23,30% | 2,31% |
1998 | 3,63% | 6,35% | 14,17% | 3,93% |
1999 | -3,84% | 4,88% | 9,89% | 1,91% |
2000 | -0,90% | 4,70% | 9,89% | 3,96% |
2001 | -7,23% | 3,50% | 9,89% | 3,70% |
2002 | -7,41% | 3,25% | 9,89% | 3,98% |
2003 | 1,10% | 4,00% | 10,90% | 2,35% |
2004 | -2,67% | 3,75% | 7,81% | 2,49% |
2005 | 0,70% | 3,75% | 16,31% | 2,62% |
2006 | -3,34% | 3,75% | 14,10% | 2,46% |
2007 | -2,82% | 3,50% | 8,82% | 2,67% |
2008 | -29,86% | 3,00% | 10,71% | 0,78% |
2009 | -4,60% | 3,50% | 30,79% | -0,10% |
A inflação é um indicador muito importante na aferição da performance das aplicações financeiras. Se um produto render menos do que a inflação, isso quer dizer que o dinheiro aplicado cresceu mais devagar do que o aumento dos preços dos bens e serviços. Para o poder de compra do dinheiro investido avançar é preciso que a rendibilidade ultrapasse a inflação. Entre 1990 e 2009, por cada seis anos de rendibilidades acima da inflação houve um ano de decréscimo de poder de compra nos PPR.
Os cálculos não podem ficar por aqui. É preciso ainda subtrair as comissões de subscrição e de resgate e os impostos que se pagam sobre o rendimento. As comissões de gestão e de depósitos e os custos operacionais já estão reflectidos na rendibilidade bruta. Resumidamente, a tributação dos reembolsos dentro das condições previstas na lei das subscrições realizadas até ao final de 2005 é de quatro por cento e de oito por cento desde então. Todavia, quando o PPR é reembolsado em prestações regulares e periódicas, as importâncias pagas são tributadas como se fossem pensões.
Contabilizando as medianas das rendibilidades anuais e das comissões de subscrição e de resgate de 613 PPR, conclui-se que os planos de reforma registaram uma rendibilidade real (acima da inflação) de 1,54 por cento por ano, desde o final de 1989. Note-se que esta rendibilidade real peca por excesso, porque é computada usando as comissões de subscrição e de resgate mais recentes. Se fosse possível aplicar as comissões válidas nos anos anteriores, tendencialmente mais elevadas, o desempenho real desceria acentuadamente.
Esses 1,54 por cento serão um bom desempenho? Nem pensar: os certificados de aforro, instrumentos de risco virtualmente nulo por serem garantidos pelo Estado, conseguiram uma performance melhor (rendibilidade real de 1,82 por cento no mesmo período). Não é aceitável que uma aplicação que tem risco, renda, no longo prazo, menos do que uma aplicação de risco praticamente nulo. Embora muitos, principalmente os que têm o capital garantido, sejam vendidos como produtos sem risco, todos os PPR são arriscados.
Os fundos de investimento e os fundos de pensões incorporam a volatilidade dos activos que compõem as suas carteiras. Apesar de os portefólios serem bastante diversificados, é comum encontrar planos que ganham dez por cento num ano e perdem dez por cento noutro. Os PPR na modalidade de seguros também dependem da evolução dos activos dos fundos autónomos, mas a garantia de capital e de rendibilidade reduz — mas não elimina — o risco dos subscritores. Em caso de fraude ou falência, não há qualquer mecanismo externo e independente de protecção dos investidores, como há o Fundo de Garantia de Depósitos e o Sistema de Indemnização aos Investidores.
Nos produtos de seguros, a garantia dos aforradores é dada pelas reservas técnicas, porém, esse dinheiro, que pode não ser suficiente para todos os reclamantes, está à guarda das próprias companhias seguradoras. Ou seja, o remédio para curar uma potencial doença na sua poupança está à guarda de quem pode ser responsável pela transmissão da maleita.
A história da insolvência do Banco Privado Português, que começou nos finais de 2008 e se estendeu para além do início de 2011, foi dramática para os clientes do banco que enfrentaram entraves no acesso ao seu dinheiro. Contudo, apesar da oposição de outros bancos, houve sempre a esperança que o Fundo de Garantia de Depósitos e o Sistema de Indemnização aos Investidores restituísse uma grande parte desses activos.
No entanto, se em vez de um banco fosse uma companhia de seguros, o problema seria bem mais grave. Os dois mecanismos de garantia não seriam aplicáveis e, logo, apenas as reservas da seguradora poderiam responder ao dinheiro investido pelos clientes. O que aconteceria, provavelmente, seria um rateio do capital remanescente da companhia por todos os clientes, o que poderia significar pesadas perdas para os aforradores de PPR. Afinal as garantias de capital e de rendibilidade propostas pelas companhias de seguros não são sinónimos de segurança total.
De qualquer maneira, a rendibilidade garantida dos PPR é envergonhada pelo mais recente produto de poupança de longo prazo patrocinado pelo Estado: os certificados do tesouro. No início de 2011, enquanto as taxas garantidas dos PPR ficavam em torno dos dois por cento, a taxa anual bruta de uma aplicação a cinco anos nos certificados do tesouro ascendia a 5,35 por cento. Uma aplicação a dez anos nos certificados do tesouro renderia garantidamente 6,40 por cento numa aplicação em Janeiro de 2011.
PPR | Certificado do tesouro |
---|---|
Taxa garantida de 2% | Taxa garantida de 6,40% |
1201,47€ | 1502,40€ |
Os certificados de aforro foram claramente mais rentáveis do que os PPR garantidos, mas não têm os benefícios fiscais que os planos de reforma ostentam. Será que os benefícios fiscais que ainda permanecem no investimento em PPR compensam o seu desempenho inferior?
Quando os PPR surgiram, em 1989, os benefícios fiscais eram impressionantes. A dedução fiscal podia chegar aos 500 contos (2493,99 euros), desde que não ultrapassasse 20 por cento do rendimento bruto do aforrador. Isso queria dizer que, na prática, a Administração Fiscal pagava a totalidade da poupança de reforma dos contribuintes que aplicassem até 500 contos por ano.
À medida que os sucessivos governos se iam apercebendo da crescente adesão da população à subscrição de PPR, os benefícios foram sendo cortados, intermediando com algumas actualizações dos escalões à taxa de inflação. Em 1994, a dedução máxima foi reduzida para metade, isto é, 250 contos (1246,99 euros) por sujeito passivo. Em 1999, a Direcção-Geral de Impostos deixou de “bancar” toda a poupança de aposentação. A partir desse ano, a dedução ficou limitada a 25 por cento dos valores subscritos, restringida a um máximo de 107 contos (533,71 euros) e de cinco por cento do rendimento bruto.
António Bagão Félix, ministro das Finanças e da Administração Pública no final de 2004, foi mais agressivo: eliminou os benefícios fiscais à entrada dos PPR. “O dinheiro não ficará nos cofres do Estado, será redistribuído através do alargamento dos escalões dos impostos”, explicou.40 A medida pouco popular de Bagão Félix demonstrou que os portugueses não subscrevem PPR pelos benefícios fiscais: ao contrário do que se poderia esperar, o valor aplicado nos PPR aumentou — e muito! Em 2005, o montante investido em planos de reforma cresceu 17,87 por cento, ultrapassando pela primeira vez a barreira dos dez mil milhões de euros.
Apesar de os aforradores continuarem a aplicar dinheiro nos PPR sem benefícios fiscais, uma das primeiras medidas do primeiro governo de José Sócrates foi restituir, embora apenas parcialmente, as deduções permitidas. Duas décadas depois de criados os benefícios fiscais dos PPR, os portugueses podiam deduzir 20 por cento das importâncias aplicadas até 400 euros para os que tinham menos de 35 anos, 350 euros para os que tinham entre 35 e 50 anos e 300 euros para os maiores de 50 anos. Entretanto, os reformados perderam a possibilidade de fazer qualquer tipo de dedução à tributação através de planos de reforma.
Quando a crise financeira global se adensou, arrastando as dificuldades de financiamento do aparelho estatal português, o segundo governo de José Sócrates teve de começar a cortar nas despesas. Os benefícios fiscais obtidos através de dedução à colecta foram os primeiros a sofrer, o que inclui as vantagens fiscais dos PPR. Assim, a partir de 2011, o somatório de todos os benefícios fiscais dedutíveis à colecta previstos no Estatuto dos Benefícios Fiscais foram limitados, consoante o escalão de rendimentos das famílias, excepto para as famílias com um rendimento anual colectável inferior a 7410 euros. Essas famílias das classes mais baixas de certeza que não irão investir entre 1500 euros e 2000 euros por ano (mais de 20 por cento do seu rendimento) para conseguir o benefício fiscal máximo. Por isso, a medida introduzida pelo Orçamento do Estado (OE) para 2011, na prática, limitou a aplicação anual em PPR dos portugueses que querem maximizar os benefícios fiscais a 500 euros por ano.
Rendimento colectável | Limite dos benefícios fiscais dedutíveis à colecta | Aplicação em PPR para maximizar dedução |
---|---|---|
Até 7410€ | Sem limite | 1500€ a 2000€ (depende da idade) |
De mais de 7410€ a 18 375€ | 100€ | 500€ |
De mais de 18 375€ a 42 259€ | 80€ | 400€ |
De mais de 42 259€ a 61 244€ | 60€ | 300€ |
De mais de 61 244€ a 153 300€ | 50€ | 200€ |
Superior a 153 300€ | 0€ | 0€ |
Em 2011, uma família que tenha um rendimento colectável de cerca de 40 mil euros terá direito a ceifar até 80 euros em benefícios fiscais dedutíveis à colecta de acordo com o Estatuto dos Benefícios Fiscais. Ela consegue esses 80 euros aplicando 400 euros em PPR. Note-se, no entanto, que os 80 euros incluem todas as outras deduções previstas no estatuto. Por isso, se a família tiver direito a outras deduções, não há acumulação. É o caso, por exemplo, dos certificados de reforma e dos donativos. Se a família do rendimento colectável de 40 mil euros aplicar 400 euros em PPR, 400 euros em certificados de reforma e faça donativos de 400 euros só conseguirá deduzir 80 euros nesse ano.
Uma poupança para a reforma de 500 euros, ou menos, por ano nem dá para aquecer um fundo de aposentação digno desse nome. Se juntar 500 euros por ano num PPR que renda dois por cento anualmente, daqui a 20 anos juntou menos de 12.500 euros. Nessa altura, esse dinheiro não será suficiente para um ano de sobrevivência, porque a inflação eliminou a maior parte dos ganhos.
Mesmo antes de o governo ter limitado os benefícios fiscais a 100 euros, essa vantagem não se revelava suficiente para colocar os PPR no leque dos produtos certos para a reforma. Um aforrador de 55 anos que, em Dezembro de 2010, tivesse aplicado 1500 euros num PPR com rendibilidade garantida de dois por cento podia calcular uma rendibilidade anual efectiva de 3,90 por cento aos 65 anos, incluindo a devolução fiscal de 300 euros no ano seguinte ao da subscrição e o pagamento de uma comissão de subscrição de 1,5 por cento. Se, em alternativa, tivesse aplicado os 1500 euros em certificados do tesouro, a sua rendibilidade efectiva seria de 4,78 por cento. À medida que o prazo de aforro fosse aumentado, diminuiria a rendibilidade do PPR, porque o benefício fiscal apenas acontece num ano entre muitos anos de poupança. Um investidor de 45 anos que subscrevesse 1750 euros em Dezembro de 2010 (obtendo uma devolução de 350 euros no ano seguinte) num PPR que rendesse dois por cento por ano durante 20 anos conseguiria uma rendibilidade anual de 2,89 por cento, descontando uma comissão de subscrição de 1,5 por cento.
Os certificados do tesouro são apenas uma alternativa de baixo risco aos PPR. Há milhares de outras possibilidades eventualmente mais rentáveis. Por exemplo, existem mais de duas centenas de fundos de investimento em Portugal que renderam mais de cinco por cento por ano na última década, apesar das crises financeiras que afectaram os mercados. O próximo capítulo apresenta-lhe as melhores soluções para construir um cabaz de reforma.
Antes de 2011 havia uma última condição que tornava os PPR pouco atraentes: a reduzida liquidez. A liquidez, a capacidade de transformar uma aplicação financeira em numerário, era praticamente nula. Até então, não era possível mexer no dinheiro investido antes da aposentação. Um português, dono de uma aplicação num PPR que mudasse de opinião sobre o que queria fazer ao capital estava simplesmente tramado. Se deixasse de acreditar que a poupança de reforma era mais importante do que a compra de casa, por exemplo, só tinha duas opções: mobilizar o dinheiro e ser alvo da ceifa de rendimentos pela autoridade fiscal ou deixar o dinheiro indefinidamente no plano de reforma.
Além da comissão de resgate que a entidade gestora lhe podia cobrar, a talhada que a Direcção-Geral de Impostos levava do seu PPR resgatado era gigantesca: tinha de devolver o benefício fiscal que tinha recebido na altura da subscrição, acrescido de dez por cento por cada ano ou fracção que tivesse passado. Isto queria dizer que, se demorasse dez anos a perceber que o PPR tinha sido uma má escolha, teria de devolver ao fisco o dobro do benefício fiscal que tinha recebido! A isso acresce o facto de os rendimentos obtidos na altura do reembolso deixarem de ser tributados à taxa reduzida (quatro ou oito por cento) para serem objecto da taxa normal de 20 por cento.
Porém, as regras mudaram com a entrada do ano de 2011. Agora, a penalização por reembolso antecipado do PPR é de um por cento do capital aplicado no produto. A alteração “visou simplificar a forma de cálculo das penalizações devidas pelos pagamentos por empresas de seguros ou associações mutualistas”, explicou a bancada parlamentar do Partido Socialista à Assembleia da República em Novembro de 2010, na altura da discussão do OE para 2011. Os socialistas esclareceram que as sociedades gestoras de PPR constataram “dificuldades técnicas para o apuramento dessa mesma penalização, pois a mesma envolve cálculos referentes a diversos anos fiscais”.41
Além de abrir a possibilidade de ganhos de curto prazo nos PPR, a redução da penalização por reembolso antecipado para um por cento do capital aplicado abriu as portas aos investidores descontentes que querem abandonar os seus planos de reforma. No entanto, é preciso ter em atenção que o custo da saída pode ser superior: o padrão é ter de pagar à sociedade gestora uma comissão de reembolso de dois por cento se retirar o dinheiro fora das condições previstas na lei.
É possível evitar a penalização fiscal e, muitas vezes, não pagar a comissão de reembolso se o resgate for efectuado a partir dos 60 anos, ou no caso de desemprego de longa duração, de incapacidade permanente para o trabalho ou de doença grave do investidor ou de qualquer membro do agregado familiar. É, naturalmente, necessário fazer prova através de declaração do centro de emprego, de comprovativo de grau de invalidez não inferior a 60 por cento ou de atestado médico. De qualquer maneira, é obrigatória a permanência no plano durante um mínimo de cinco anos. A única maneira de o dinheiro sair do PPR antes de celebrar o quinto aniversário sem ser taxado é o investidor morrer: os seus herdeiros recebem a aplicação livre de encargos.
Mesmo que não reúna as condições mínimas para não pagar a multa da autoridade fiscal e a comissão de saída cobrada pela entidade gestora do plano de reforma, pode valer a pena abandonar o barco do PPR. Basta que o investimento alternativo ao PPR seja ligeiramente mais rentável. Um investidor que tenha um PPR que cobre uma comissão de reembolso antecipado de dois por cento e que tenha uma rendibilidade anual esperada de três por cento durante a próxima década fica mais bem servido se resgatar o plano, pagar a comissão de reembolso e a penalização fiscal e aforrar o que lhe restar numa aplicação que renda 3,32 por cento ou mais por ano. Ao fim dos dez anos, a sua poupança será superior. Quanto mais tempo tiver para amealhar, menos terá de exigir ao instrumento alternativo. Por exemplo, se em vez de uma década estiver a aforrar durante 20 anos, basta que a aplicação concorrente do PPR renda 3,16 por cento por ano para acumular mais na altura da aposentação. Como verá no próximo capítulo, encontrar instrumentos que rendam mais algumas décimas que os PPR não é difícil, por isso não tem razões para não desistir do seu se estiver insatisfeito.
Os PPR são caros, rendem pouco, os benefícios fiscais são uma miragem e é preciso pagar para desistir deles. Estas são as regras gerais válidas para a indústria dos PPR, que impedem que estes produtos sejam os certos para os portugueses planearem a sua aposentação. Contudo, pode haver excepções, mas é equivalente a encontrar uma agulha no palheiro. Porém, se encontrar essa agulha certamente coserá melhor a sua poupança de reforma.
O primeiro critério de selecção do seu PPR é fundamental: não pague comissões de subscrição nem de reembolso. Não há qualquer justificação possível para aceitar pagar para investir ou desinvestir. Infelizmente, no início de 2011 só havia quatro PPR em comercialização que nunca cobravam comissão de subscrição nem de reembolso, mesmo quando esse reembolso é efectuado fora das condições previstas na lei. Se aceitar uma comissão de saída até um por cento da aplicação quando o resgate é realizado antes da aposentação, o número de PPR sobe para pouco mais de duas dezenas.
Também não deve ceder ao pagamento de uma comissão de transferência, mesmo no caso dos PPR que oferecem rendibilidades garantidas. Se os gestores do plano estão confiantes no desempenho futuro do seu produto então não devem recear que os aforradores transfiram o capital de reforma. A cobrança de uma comissão de transferência é um sinal de que acreditam que algo pode correr mal e que, em consequência, têm medo da fuga dos investidores.
A comissão de transferência de 0,5 por cento só faria sentido se a companhia gestora garantisse uma rendibilidade anual elevada. Uma taxa de rendibilidade garantida pode ser considerada elevada se ultrapassar o dobro das taxas de mercado, como a Euribor a 12 meses. Para poder conceder essa garantia, a entidade responsável pelo PPR tem de adquirir instrumentos financeiros específicos que, caso sejam alienados antes do tempo preestabelecido, podem representar perdas pesadas para a carteira do plano. Nesses casos, a transferência do dinheiro por parte dos investidores pode significar um aumento dessas perdas, o que necessita de ser compensado pela comissão de transferência. Todavia, é pouco provável que os PPR garantam taxas acima do dobro do nível da Euribor a 12 meses (mais de três por cento no arranque de 2011).
Além das comissões de subscrição, de reembolso e de transferência é preciso ter em atenção aos custos de gestão e de depósito. Embora seja menos importante nos PPR de rendibilidade garantida, estes custos têm influência directa no desempenho do aforro. Assim, procure sempre PPR cujos custos de gestão e de depósito não ultrapassem um a 1,5 por cento do património por ano. Lembre-se que tudo o que a empresa gestora cobrar a mais é equivalente a menos dinheiro para si quando chegar à altura do reembolso. As sociedades gestoras de PPR são obrigadas a divulgar a taxa anual de custos, que inclui essas despesas. É apresentada numa percentagem do património que foi usado para pagar esses custos. Tenha atenção que essa taxa inclui mais despesas no caso dos PPR na forma de fundos de investimento, logo a taxa global de custos tenderá a ser superior nesses produtos. De qualquer maneira, todas as despesas dos PPR estão reflectidas na rendibilidade apresentada, porque quanto mais gastam menos rendem. Por isso, pode evitar a análise da taxa global de custos desde que tenha atenção redobrada no estudo da performance do seu produto.
Há uma última dúvida que deve esclarecer antes de subscrever um PPR: será que precisa mesmo de uma garantia de capital e de rendibilidade? Embora durma mais descansado com essa garantia, se investe a pensar no longo prazo o risco de não ter garantia é diluído. É possível que os PPR não garantidos desvalorizem em alguns anos, mas o que conseguem render nos melhores anos pode compensar bastante essas perdas. Se quer alcançar um desempenho superior aos certificados do tesouro através de um plano de reforma, a verdade é que as probabilidades estão mais do lado dos PPR não garantidos se investir no longo prazo, isto é, a pensar em décadas e não em anos.
É muito fácil encontrar maus PPR no mercado. Pode ser porque exigem uma comissão de subscrição muito elevada, como UniversAll PPR da Allianz que pode cobra até 3,5 por cento do capital investido. Pode ser porque o custo de saída é muito penalizador, como a comissão de reembolso do PPR Plano Reforma Capital Garantido do Santander Totta Vida que pode chegar a três por cento do valor resgatado. Também pode ser pelo fraco desempenho, como é o caso do Eurovida PPR Open, que perdeu, em média, seis por cento entre 2007 e 2009.
Mais difícil é encontrar planos de reforma aceitáveis para os aforradores que pretendem alcançar uma reforma segura. Pesquisando por PPR rentáveis e baratos ao nível da subscrição e do reembolso entre os produtos em comercialização no início de 2011, encontram-se apenas os cinco PPR indicados na tabela seguinte. Se tiver realmente de investir num PPR, opte por um destes instrumentos financeiros. Note-se que podem surgir outros PPR aceitáveis no mercado, como é o caso dos recentes fundos Optimize Capital Reforma, que primam por nunca cobrarem comissões de subscrição e reembolso, mesmo fora das condições previstas na lei.
PPR | Comissão de reembolso | Rendibilidade média 2007 a 2009 | Comercialização |
---|---|---|---|
BPI Reforma Acções PPR | 1% até 1 ano após subscrição | 3,95% | ActivoBank, Banco Best, Banco BPI |
Leve Uni (PPR) | 0,5% até 5 anos após subscrição | 3,41% | CGD, Fidelidade Mundial, Império Bonança |
BPI Reforma Garantida 5 anos PPR | 0,5% fora das condições previstas na lei | 3,34% | BPI Vida |
Leve Duo (PPR) | 0,5% até 5 anos após subscrição | 3,14% | CGD, Fidelidade Mundial, Império Bonança |
Millennium Aforro PPR | 0,5% até 180 dias após subscrição | 2,91% | ActivoBank, Millennium bcp |
A alternativa mais óbvia aos PPR são os certificados de reforma. Apesar de também terem benefícios fiscais até 350 euros por ano, na maioria dos casos a dedução no IRS não é acumulável com a dos PPR. Os certificados de reforma são erradamente apelidados de “PPR do Estado” ou “PPR públicos”, porque há muitas diferenças para os planos privados. A mais importante é a impossibilidade de realizar a subscrição e o reforço dos certificados de reforma sempre que se quiser. Nesse sentido, os produtos estatais são muito limitados: só é possível investir através do desconto directo na conta bancária todos os meses.
O valor da poupança mensal que é retirada da conta é igual a dois ou quatro por cento da média das remunerações declaradas no último ano à Segurança Social. Os maiores de 50 anos ainda têm a opção de aforrar a uma taxa de seis por cento dos vencimentos. Todo o dinheiro recolhido automaticamente pela Segurança Social é registado numa conta individual e, quando o aforrador chegar à aposentação, pode levantá-lo (incluindo os ganhos obtidos entretanto), trocá-lo por um complemento à pensão ou transferi-lo para o cônjuge ou para os descendentes.
Até chegar à reforma, o dinheiro é gerido pelo Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social, que tem mostrado capacidade para o fazer: desde que foram lançados, em Março de 2008, até Dezembro de 2010, os certificados ganharam cerca de 4,3 por cento por ano. Contudo, o histórico ainda é curto para se dormir descansado em relação à rendibilidade futura deste produto de reforma. Aliás, ao contrário da maioria dos PPR, os certificados de reforma não têm qualquer garantia de rendibilidade nem de capital. Existe a possibilidade de se perder dinheiro. Ainda por cima, este produto não é alvo de qualquer supervisão independente, como os PPR que estão sob o radar do Instituto de Seguros de Portugal ou da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.
Ao contrário dos PPR, os certificados de reforma não são caros (não há comissões de subscrição). No entanto, os benefícios fiscais continuam a ser uma miragem, porque são uma gota de água num oceano de anos de investimento. Há, porém, uma coisa em que são piores dos que os PPR: o reembolso é ainda mais rígido. Mexer na poupança só mesmo quando se chega à aposentação por velhice ou por invalidez absoluta. Nem no caso de desemprego de longa duração, de incapacidade permanente para o trabalho ou de doença grave se pode resgatar o dinheiro acumulado nos certificados de reforma. É melhor procurar soluções mais flexíveis no próximo capítulo.
Como diz o provérbio, “mais vale tarde do que nunca”. Porém, quando o assunto é a sua poupança para a reforma o “tarde” pode sair-lhe muito caro. “Tempo é dinheiro”, completa outro dito popular. Nos investimentos financeiros, o tempo que tem disponível para poupar é tão valioso como o dinheiro que põe no mealheiro. Tudo graças ao poder da capitalização.
A capitalização é o efeito de multiplicação dos ganhos. Se aplicar 1000 euros num depósito a render cinco por cento ao ano, no final dos primeiros 12 meses acumula 50 euros de juros. Todavia, se voltar a aplicar a poupança, os juros são de 52,5 euros no ano seguinte. Isto acontece porque os juros do primeiro ano também geram juros no segundo ano. À medida que o tempo passa, os juros dos juros assumem uma proporção gigantesca. No exemplo anterior, no trigésimo ano da poupança, os juros ganhos ultrapassam os 205 euros.
Poupar para a aposentação é complicado: nem toda a gente pode abdicar de uma boa parte dos rendimentos actuais para o consumo futuro. Felizmente, graças ao poder da capitalização, pode reduzir a poupança mensal alcançando de qualquer maneira um generoso pé-de-meia no futuro. Basta que comece cedo. Quanto mais cedo melhor.
A tabela seguinte indica-lhe quanto consegue juntar através de uma aplicação mensal de 100 euros. Através desta informação é possível compreender porque começar a poupar tarde para a reforma pode ser fatal. Se esperar pelos 60 anos para iniciar uma poupança mensal de 100 euros até aos 65 anos, apenas consegue juntar 6982 euros, assumindo uma rendibilidade anual de seis por cento. Contudo, se começar o esforço mensal de 100 euros logo aos 35 anos, quando chegar à idade de reforma terá um gordo pé-de-meia de 97 926 euros. Esta diferença pode muito bem contribuir para uma velhice mais feliz.
Taxa de rendibilidade anual | ||||
---|---|---|---|---|
Ano | 2% | 4% | 6% | 8% |
1 | 1213€ | 1226€ | 1239€ | 1251€ |
2 | 2450€ | 2501€ | 2552€ | 2603€ |
3 | 3712€ | 3827€ | 3943€ | 4063€ |
4 | 4999€ | 5206€ | 5419€ | 5639€ |
5 | 6312€ | 6640€ | 6982€ | 7341€ |
6 | 7652€ | 8131€ | 8640€ | 9180€ |
7 | 9017€ | 9682€ | 10 397€ | 11 166€ |
8 | 10 411€ | 11 295€ | 12 260€ | 13 311€ |
9 | 11 832€ | 12 973€ | 14 234€ | 15 627€ |
10 | 13 282€ | 14 718€ | 16 326€ | 18 128€ |
11 | 14 760€ | 16 532€ | 18 545€ | 20 830€ |
12 | 16 268€ | 18 419€ | 20 896€ | 23 748€ |
13 | 17 807€ | 20 382€ | 23 388€ | 26 899€ |
14 | 19 376€ | 22 423€ | 26 030€ | 30 302€ |
15 | 20 976€ | 24 546€ | 28 831€ | 33 978€ |
16 | 22 609€ | 26 753€ | 31 799€ | 37 947€ |
17 | 24 274€ | 29 049€ | 34 946€ | 42 235€ |
18 | 25 972€ | 31 437€ | 38 281€ | 46 865€ |
19 | 27 705€ | 33 921€ | 41 817€ | 51 865€ |
20 | 29 472€ | 36 503€ | 45 565€ | 57 266€ |
25 | 38 851€ | 51 051€ | 67 958€ | 91 484€ |
30 | 49 207€ | 68 751€ | 97 926€ | 141 761€ |
35 | 60 641€ | 90 286€ | 138 029€ | 215 635€ |
40 | 73 265€ | 116 486€ | 191 696€ | 324 180€ |
Se o aforrador começar a amealhar cedo e se tiver uma grande folga no orçamento mensal, o sonho de chegar a milionário é alcançável. Iniciando aos 25 anos um programa de poupança de 675 euros por mês, uma rendibilidade anual de cinco por cento levá-lo-á ao estatuto de milionário aos 65 anos. Se conseguir um rendimento superior, por exemplo de oito por cento por ano, 310 euros por mês são mais do que suficientes para atingir os dez dígitos na conta bancária.
Para muitos, chegar à reforma milionário talvez seja exagerado. Contudo, economizar 100 mil euros é um objectivo realista e suficiente. Mas, mesmo neste caso, começar dez anos mais tarde é um erro crítico. Uma pessoa de 45 anos que pretenda juntar essa soma até aos 65 anos terá de guardar todos os meses 246 euros. Porém, se começasse dez anos mais cedo, o esforço de poupança mensal desceria para 123 euros. A aplicação poderia ainda descer para 68 euros por mês caso o aforrador procedesse à poupança a partir dos 25 anos.
Seja qual for o seu caso, as próximas tabelas podem ajudá-lo a aferir o seu caminho para a independência financeira na reforma. Mas tenha atenção às aplicações escolhidas: há produtos que estão desenhados para distribuírem rendimentos periódicos, o que elimina completamente o efeito da capitalização. Mesmo que planeie reinvestir todos os juros e dividendos que irá receber, os rendimentos são alvo de tributação. Além disso, muitas vezes os intermediários financeiros ficam com um pedaço dos ganhos por conta de comissões e de outras despesas.
No exemplo do início deste capítulo, o poder da capitalização é mitigado se os juros passarem pela conta bancária. A aplicação de 1000 euros no depósito a render cinco por cento por ano acumula 39,5 euros no final do primeiro ano, assumindo a tributação dos juros a 21,5 por cento. No trigésimo ano, em vez dos 205 euros indicados, receber-se-ia menos de 120 euros. No final dos 30 anos, em vez de ter 4322 euros, a tributação reduziria o montante acumulado para 3174 euros.
Além de ganhar com o fenómeno da capitalização, começar a economizar mais cedo tem outra vantagem: pode arriscar mais e, assim, conseguir uma taxa de rendibilidade potencial mais elevada. Os investidores que têm muitos anos pela frente para multiplicar as poupanças podem dar-se ao luxo de registar perdas pontuais ao longo do tempo se souberem que, mais tarde ou mais cedo, essas perdas transformar-se-ão em elevadas mais-valias antes de atingir o horizonte temporal do investimento.
Os múltiplos estudos académicos corroboram aquilo em que já se acreditava na prática: as acções, instrumentos normalmente vistos como arriscados, são as mais rentáveis no longo prazo. A análise mais longa às bolsas mundiais, que abarca 110 anos de acções, obrigações e tesouraria, concluiu que os mercados accionistas renderam 8,6 por cento por ano, incluindo o reinvestimento dos dividendos. Por seu turno, as obrigações avançaram 4,7 por cento e a tesouraria 3,9 por cento.42 As estatísticas demonstram que, apesar de as acções perderem mais de 20 por cento em pelo menos um ano em cada década, a verdade é que o desempenho obtido nos restantes nove anos compensa amplamente os efeitos dos períodos de crise.
Investir em acções pode fazer uma grande diferença. Se as obrigações continuarem a render 4,7 por cento por ano, 250 euros investidos mensalmente durante 20 anos geram um pote de 98 540 euros. Este é um valor bastante inferior aos 153 510 euros acumulado em acções, caso estas mantenham a rendibilidade anual histórica.
Apesar do seu sucesso de longo prazo, nem toda a gente deve investir exclusivamente no mercado accionista. Se tiver pouco tempo para capitalizar o aforro, não convém arriscar porque a maturidade do seu investimento pode terminar num período mais negro das bolsas. A história diz que são necessários pelo menos 15 anos para investir em acções com algum grau de segurança.43
A regra da carteira exclusiva de acções para prazos superiores a 15 anos não significa que quem tiver um horizonte temporal menor deva deixar as acções de lado. Os investidores devem construir portefólios equilibrados e diversificados de vários activos financeiros. Esses portefólios devem respeitar o perfil de risco e o conforto do aforrador. Uma carteira até pode ter uma rendibilidade potencial elevada, mas se não deixar o seu proprietário dormir descansado à noite está condenada ao fracasso. Ao mínimo soluço dos mercados, o investidor ficará assustado e irá aliená-la com prejuízos.
Os seis estilos de investimento patentes na tabela seguinte equilibram as três principais classes de activos (acções, obrigações, tesouraria). Assim, basta escolher o cabaz que mais se adequa ao seu perfil e ao prazo de investimento para saber, de seguida, quanto terá de poupar para não perder poder de compra quando atingir a aposentação. Não se esqueça que, quanto mais próxima estiver a idade de reforma, menos acções deve ter na carteira. Afinal, “mais vale um pássaro na mão do que dois a voar”.
Acções | Obrigações | Tesouraria | |
---|---|---|---|
Muito conservador | 0% | 0% | 100% |
Conservador | 0% | 50% | 50% |
Prudente | 10% | 60% | 30% |
Moderado | 40% | 50% | 10% |
Agressivo | 80% | 20% | 0% |
Muito agressivo | 100% | 0% | 0% |
Consoante o estilo de investimento eleito, na tabela seguinte pode descobrir quanto uma pessoa que tenha um rendimento mensal líquido de 777 euros deve poupar por mês para compensar a perda do poder de compra que a sua pensão futura lhe trará. Por exemplo, assumindo um estilo prudente e 40 anos de idade, necessita de amealhar 101 euros por mês até aos 65 anos. A tabela está limitada ao rendimento mensal líquido de 777 euros, que, segundo o Instituto Nacional de Estatística, foi o valor médio registado no terceiro trimestre de 2010.
Idade | Muito conservador | Conservador | Prudente | Moderado | Agressivo | Muito agressivo |
---|---|---|---|---|---|---|
20 anos | 61€ | 56€ | 50€ | 37€ | 24€ | 20€ |
25 anos | 70€ | 65€ | 58€ | 45€ | 31€ | 26€ |
30 anos | 80€ | 75€ | 69€ | 55€ | 41€ | 35€ |
35 anos | 94€ | 89€ | 83€ | 69€ | 54€ | 48€ |
40 anos | 113€ | 108€ | 101€ | 87€ | 72€ | 66€ |
45 anos | 138€ | 134€ | 128€ | 114€ | 99€ | 92€ |
50 anos | 177€ | 173€ | 168€ | 155€ | 140€ | 134€ |
55 anos | 242€ | 239€ | 234€ | 224€ | 212€ | 206€ |
Depois de descobrir o estilo de investimento mais confortável e quanto deve economizar todos os meses até chegar à reforma, convém não se desviar do plano traçado. O sucesso desta estratégia baseia-se na disciplina do aforrador. Todos os meses, independentemente do humor dos mercados, é preciso pôr de parte o valor estipulado para o poder da capitalização funcionar plenamente. Quando os mercados estão deprimidos, é natural que os investidores se sintam impelidos a suspender o plano de poupança, mas é nestas alturas que se fazem os melhores negócios. Ao investir sempre nos ciclos bons e maus, garante-se um preço médio inferior porque a tendência natural do valor dos activos financeiros é de subida.
Quem tenha investido 100 euros por mês no maior fundo de acções europeias entre Junho de 1991 e Fevereiro de 2011 acumularia 35 523 euros, o que representa um ganho de 11 923 euros em pouco mais de 19 anos. Isso quer dizer que, apesar de o investimento ter passado por várias crises financeiras45, obter-se-ia uma rendibilidade anual de 3,97 por cento. Poupar anualmente também funciona, mas os frutos não são tão doces. Se o aforrador tivesse optado por acumular os 100 euros mensais debaixo do colchão até atingir 1200 euros e, depois, investi-los, juntaria 33 443 euros no mesmo período através do fundo de acções europeias, o que representaria uma rendibilidade de 3,79 por cento por ano.
Os académicos demonstraram, sem margem para dúvidas, que as acções são os activos mais rentáveis no longo prazo. Além disso, a estratégia de aforro mensal consegue suavizar as perdas pontuais e alavancar os ganhos dos investidores. Contudo, a história não termina aqui. É preciso contabilizar os custos de ter acções: as comissões de transacção, de guarda de títulos, de distribuição de dividendos e os impostos associados a estas operações. Por isso, a táctica de poupança para a reforma através da compra de acções avulsas não funciona. Só uma comissão de negociação de cinco euros rouba-lhe cinco por cento do plano de reforma numa estratégia de poupança mensal de 100 euros. A isso ainda é preciso descontar a comissão de guarda de títulos, que tradicionalmente é cobrada todos os trimestres, e a comissão sobre o pagamento de dividendos, que facilmente absorve um sexto dos recebimentos.
Os problemas do investimento directo no mercado accionista não acabam aqui. É muito caro constituir uma carteira verdadeiramente diversificada quando se começa um pé-de-meia com uma centena de euros ou menos. Mesmo que chegue a um portefólio com mais de oito sectores diferentes (o mínimo para ser considerado diversificado), o risco é elevado: basta uma das empresas apresentar falência para perder um oitavo do património de aposentação.
Para evitar estes custos e riscos supérfluos, os aforradores devem concentrar as suas atenções noutros instrumentos: fundos de investimento. Como estes produtos reúnem o dinheiro de vários investidores, as comissões de bolsa são diluídas por todos os participantes. A grande dimensão destes organismos, que se adquirem nos bancos e nas sociedades gestoras, permite-lhes aceitar aplicações de reduzido valor. Em alguns casos, é possível comprar apenas uma unidade de participação do fundo de cada vez. Noutros casos, pode solicitar-se a subscrição automática através de débito na conta bancária, o que facilita a estratégia de poupança mensal e elimina as emoções da equação do investimento. É preciso apenas ter cuidado com as comissões que podem ser cobradas pelos gestores: comissão de subscrição à entrada, comissão de resgate à saída e comissões de gestão e de depósito ao longo do aforro. Regra geral, estes custos são baixos e, na maior parte dos casos, não existe comissão de subscrição e a de resgate desaparece após um ano de investimento.
Além dos custos menores, os fundos de investimento permitem o acesso a mercados longínquos, impossíveis de aceder de outra forma pelos pequenos investidores, e oferecem diversificação imediata. No geral, as carteiras dos fundos de acções são compostas por centenas de títulos de empresas de diferentes sectores e origens geográficas, o que permite uma enorme diluição dos riscos do investimento.
Os fundos de investimento também resolvem outro problema: a escolha das acções para o portefólio. Estes produtos são geridos por profissionais que se dedicam integralmente ao mundo das finanças. Assim, a selecção de títulos deixa de passar pelo aforrador, o que, na maioria dos casos, é um descanso.
Os fundos não têm de investir apenas em acções. Estes produtos de investimento colectivo podem investir em acções, obrigações, activos imobiliários e até em derivados, embora sempre de acordo com o regulamento de gestão do fundo. Consoante o tipo de activos elegíveis para investimento, os fundos de investimento podem incorrer em diferentes níveis de risco e são poucos os que garantem capital.
Se tem receio de entregar a gestão do seu pé-de-meia a estranhos, saiba que está, em parte, protegido pelo Sistema de Indemnização aos Investidores, que funciona junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. Se o banco depositário do fundo enfrentar problemas financeiros e não tiver capacidade de lhe devolver a poupança, este sistema indemniza-o até 25 mil euros.
A gama de fundos de investimento não se esgota no mercado accionista. Aliás, os fundos mais populares investem em obrigações, porque o mercado de títulos de dívida é ainda mais inacessível do que o accionista. No geral, além dos custos de transacção e de detenção semelhantes às acções, negociar obrigações — títulos que representam dívida de empresas ou estados — exige avultados montantes, normalmente na ordem das centenas de milhares de euros. As excepções são os certificados de aforro e os certificados do tesouro, títulos equiparados a obrigações que representam a dívida da República Portuguesa.
Ao contrário das obrigações tradicionais transaccionadas pelos bancos, os certificados de aforro e do tesouro não cobram custos de transacção nem de custódia, o que os torna atractivos para os pequenos investidores. Por serem garantidos pelo Estado, estes produtos, que se adquirem aos balcões dos CTT, são os menos arriscados na palete de investimentos disponíveis. Há, todavia, algumas diferenças nas arquitecturas das duas aplicações.
Os certificados do tesouro são mais adequados para o longo prazo, embora tenham o limite de duração de dez anos. No momento da subscrição, o aforrador sabe exactamente quanto irá receber todos os anos. A única dúvida reside na altura do pedido de reembolso: quanto mais tarde for, maior será a rendibilidade. O facto de receber juros todos os anos pode ser um entrave à aplicação de longo prazo, porque corta o poder de capitalização e aumenta a tributação sobre os juros. Por seu turno, os certificados de aforro não distribuem juros anuais. Em vez disso, a rendibilidade é indexada às taxas de juro de mercado (a Euribor a três meses), logo não se sabe à partida quanto se ganhará. Os certificados de aforro são também mais acessíveis do que os do tesouro, porque exigem apenas um montante mínimo de investimento de 100 euros, enquanto é preciso 1000 euros para entrar nos certificados do tesouro.
São ambos instrumentos financeiros representativos da dívida nacional, mas como produtos de aforro só são iguais no prazo de maturidade e na garantia do capital.
Certificados de aforro | Certificados do tesouro | |
---|---|---|
Investimento mínimo | 100€ | 1000€ |
Investimento máximo | 250 000€ | 1 000 000€ |
Reforços | Possíveis, a partir de 100€ | Possíveis, a partir de 1000€ |
Taxa de juro | A taxa de juro base é definida mensalmente para vigorar no trimestre seguinte que se inicia no mês seguinte. | As taxas são definidas mensalmente para vigorarem nas subscrições do mês seguinte. No dia da subscrição, sabe-se a remuneração para um prazo de 10 anos. |
Prémios de permanência | Sim. Acrescem à taxa de juro base: 0,50% no 2.º ano; 0,75% no 3.º ano; 1% do 4.º ao 7.º ano; 1,25% no 8.º ano; 1,5% no 9.º ano; 2,5% no 10.º ano. | Não, mas o esquema de taxas de juro crescentes tem um efeito similar. |
Regime de pagamento de juros | Capitalização | Distribuição anual |
Prazo mínimo | 3 meses | 6 meses |
Prazo máximo | 10 anos | 10 anos |
Embora beneficiem de prémios de permanência que convidam os aforradores a manterem o dinheiro aplicado até à maturidade máxima de 10 anos, como estão ligados à evolução das taxas de curto prazo, os certificados de aforro inserem-se no grupo de instrumento de tesouraria. A par destes encontram-se ainda as obrigações que se vencem no prazo de um ano (e, logo, os fundos de tesouraria que nelas investem) e os depósitos a prazo.
Depois de um afastamento forçado após o 25 de Abril, os portugueses voltaram a contar com os fundos de investimento a partir de 1985. A indústria floresceu acentuadamente até 2001, quando foi autorizada pela primeira vez a comercialização de fundos estrangeiros pelos bancos nacionais. Agora a oferta ultrapassa os seis mil produtos e os portugueses têm mais de 28 mil milhões de euros aplicados em fundos nacionais e estrangeiros.46
Não há razões para acreditar que os fundos portugueses ou estrangeiros são melhores à partida. A qualidade de um fundo depende da capacidade do seu gestor e não da sua nacionalidade. Porém, a oferta estrangeira tem mais variedade do que a portuguesa: é possível investir tão facilmente em acções da Tailândia, como apostar em mercadorias ou na volatilidade dos mercados.
A única diferença garantida entre os fundos nacionais e estrangeiros é o tratamento fiscal dos lucros. Enquanto nos instrumentos estrangeiros as mais-valias são tributadas na altura do resgate à taxa fixa de 21,5 por cento, o processo de tributação dos fundos portugueses é tratado internamente pelos gestores, ou seja, o valor das unidades de participação é líquido de impostos. Isso não significa que os fundos portugueses não pagam impostos. Embora beneficiem de uma tributação reduzida, as mais-valias alcançadas pelos gestores nas suas operações diárias são taxadas. Regra geral, todos os anos, cerca de um por cento do valor da unidade de participação dos fundos nacionais de acções é desviado para os cofres da autoridade fiscal.
Apesar do tratamento fiscal diferente, não é possível garantir que haja vantagens inequívocas num deles. Enquanto os fundos estrangeiros são alvo de uma tributação fixa dos ganhos, a taxa de imposto efectiva dos portugueses depende do sucesso e da frequência dos negócios realizados pelo gestor. Apenas nas aplicações de muito longo prazo (mais de 20 anos) é que se pode afirmar que os fundos estrangeiros são fiscalmente vantajosos.
Além dos tradicionais fundos de investimento, os aforradores podem ainda negociar fundos cotados. Estes produtos, vulgarmente conhecidos por exchange-traded funds, ou pelas iniciais ETF, funcionam exactamente como os fundos tradicionais, mas são transaccionados nas bolsas como se fossem acções e as comissões de gestão tendem a ser mais baixas. Apesar de terem as vantagens dos restantes fundos de investimento (diversificação e acesso barato a mercados longínquos), os ETF sofrem do mesmo mal das acções: elevados custos de transacção e manutenção.
Outra via para investir em fundos é através de seguros. Os seguros ligados a fundos de investimento (ou unit-linked) têm algumas vantagens fiscais: permitem a transferência de capital entre fundos estrangeiros sem taxação das mais-valias e estão sujeitos a uma taxa de imposto inferior quando detidos por prazos superiores a cinco anos. Contudo, as comissões que geralmente as companhias de seguros cobram nestes produtos cancelam o benefício fiscal. As comissões são o principal entrave ao investimento nas soluções propostas pelas seguradoras. Os seguros de capitalização tendem também a ser caros e a render pouco.47 Infelizmente, são um sucesso: os portugueses têm mais de 27 mil milhões de euros aplicados em seguros de capitalização.48 A razão do êxito dos seguros de capitalização é a mesma dos produtos financeiros complexos: a segurança aparente associada à garantia de capital. Embora assumam a forma de depósitos, obrigações ou seguros, os produtos financeiros complexos, também conhecidos por produtos estruturados, procuram replicar total ou parcialmente o desempenho de outros instrumentos. Por exemplo, um depósito que paga juros indexados à evolução do petróleo ou de um cabaz de acções é considerado um produto complexo. Na maior parte das vezes, os produtos estruturados garantem o capital investido, o que é um factor de atracção para os portugueses. É sempre bom candidatar-se a fortes ganhos sem correr riscos de perda, como prometem estes produtos. O problema é que, frequentemente, a rendibilidade não ultrapassa o que se obteria num simples depósito a prazo.49 A complexidade sai cara e a garantia serve de pouco.
Não é necessário ser um especialista em finanças para construir um portefólio de investimentos para a reforma. Nem é necessário recorrer a produtos estrambólicos para chegar à aposentação com um bom pé-de-meia. O truque está em simplificar.
Basta eleger bons representantes das três principais classes de activos – acções, obrigações e tesouraria – e estruturar racionalmente uma carteira com essas aplicações. No limite da simplificação, a poupança de reforma pode estar confiada apenas a um fundo de acções com provas dadas no mercado e a certificados do tesouro e de aforro. Procure maioritariamente fundos generalistas, que invistam aos níveis mundial ou europeu, sejam de acções sejam de obrigações. Garanta ainda que não existe risco cambial na escolha do fundo, porque muitos dos fundos estrangeiros estão cotados em divisas diferentes do euro.
Os fundos escolhidos para o portefólio não devem ter comissões de subscrição e de resgate, devem possibilitar a automatização do aforro periódico e devem aceitar reforços de baixo valor. Só depois de garantir estas condições é que os investidores devem procurar produtos que apresentem rendibilidades históricas acima da média da concorrência directa.
A selecção dos activos do património de reforma deve ser fria e calculista. Lembre-se que é o seu complemento de reforma que está a gerir e que não pode contar com o apoio do Estado paternalista. Todavia, há espaço para as suas paixões. Reserve uma pequena fatia do portefólio para as aplicações mais emotivas. Filatelia, imobiliário, acções do sector biotecnológico, numismática, obrigações de alto risco ou outras apostas mais pessoais podem apimentar a sua carteira, desde que não ponham em causa o objectivo final de reforma financeiramente tranquila.
A Segurança Social não durará muito tempo se as regras não mudarem drasticamente. Daqui a pouco mais de duas décadas, os cofres deixarão de suportar os pensionistas. Há quase um século, desde que nasceu o modelo moderno de previdência social, que a situação está a convergir para a decadência completa. A culpa é simultaneamente dos sucessivos governos, que pouco ou nada fizeram para inverter a catástrofe, e da evolução demográfica. Hoje há tantos portugueses com mais de 40 anos como cidadãos mais novos; amanhã os idosos serão um grupo invasor do território nacional.
Infelizmente, a massa idosa viverá em condições precárias. As reduzidas pensões estatais colocarão a maioria na pobreza. Muitos, se conseguirem, terão de trabalhar até morrerem. Muitos voltar-se-ão para os filhos, se os tiverem. Mostram as estatísticas de hoje que os futuros idosos terão poucos descendentes. Além disso, esses filhos poderão estar mais preocupados em amealhar para as suas próprias pensões futuras para não caírem no mesmo precipício em que resvalaram os pais.
Se não quiser engrossar as fileiras dos idosos no limiar da pobreza tem de agir. É preciso poupar hoje para garantir que, quando já não tiver forças para trabalhar, tenha dinheiro para sobreviver sem sacrifícios.
O conceito dos planos de poupança-reforma (PPR) era bom: já que o Estado não garante as reformas futuras, pelos menos os particulares podem investir para a velhice com o apoio estatal. Era bom, mas utópico, porque pelo meio incluíram-se as instituições financeiras na gestão das poupanças. Ao longo de duas décadas, os generosos benefícios fiscais dos PPR foram sendo transferidas para os bolsos dos bancos e das companhias de seguros através de comissões avarentas. Essas comissões abusivas traduziram-se directamente nas rendibilidades reduzidas dos PPR e, naturalmente, nas poupanças acumuladas baixas.
Não é preciso ficar em pânico. Os cidadãos mais próximos da aposentação estão praticamente garantidos, pelo menos por agora. Os trabalhadores que ainda têm um longo caminho para percorrer até à velhice ainda têm tempo para agir. É preciso que comecem imediatamente a poupar para a reforma, mesmo que tenham de sacrificar um pouco o seu estilo de vida. Se não estiver a poupar um décimo do seu rendimento mensal é provável que não esteja a poupar o suficiente.
A maioria dos aforradores escolhe os seus produtos bancários por sugestão dos funcionários bancários50, mas não devia ser assim. Antes de se decidir pelas propostas que recebe ao balcão do banco, o leitor deve investigar as alternativas. Como já foi explicado, alguns pontos percentuais adicionais de ganho anual fazem toda a diferença ao fim de vários anos de capitalização da poupança.
Não precisa de complicar na altura de investir o seu pé-de-meia. Ao longo deste capítulo demonstrou-se que quanto mais simples for a estratégia melhor consegue geri-la e maiores são as probabilidades de chegar à reforma com um sorriso na cara. Basta um bom fundo de acções, uma combinação entre certificados de aforro e do tesouro e dois dedos de testa para salvar a sua reforma.
Poupar não tem de ser sinónimo de sacrifício. Uma simples alteração do tarifário da electricidade ou a adopção de comportamentos mais económicos na utilização da água e do gás permitem poupar dezenas de euros por ano e não tem qualquer custo. É verdade que não é com a poupança em electricidade e em água quente que vai conseguir alimentar o mealheiro para a reforma. Mas é através da alteração de alguns hábitos de consumo que se consegue poupar sem dar por isso e evitar assim um acréscimo do esforço financeiro presente.
Antes de apurar o seu perfil de risco ou de decidir em que instrumento financeiro vai aplicar a poupança, um aforrador deve auditar o seu orçamento em busca de despesas de consumo que possa reduzir ou eliminar e canalizar o excedente gerado para um produto de poupança para a reforma. Assim, o esforço financeiro do aforro mensal não será sentido, porque será desviado dos custos que antes existiam e que deixam de pesar no orçamento.
Se seguir à risca as dez sugestões de poupança que se seguem, candidata-se a ter mais 400 mil euros no seu pé-de-meia quando se aposentar. Todos as estimativas de poupança assumem uma rendibilidade média anual de cinco por cento durante três décadas.
É um custo presente que se pode trocar por saúde e dinheiro, tanto no presente como no futuro. Um fumador que consuma um maço de cigarros por dia não só perde anos de vida como queima milhares de euros por ano. Enveredar por esta estratégia de troca de um mau hábito por um bom princípio gera múltiplos ganhos, zero custos e exige apenas uma mudança no estilo de vida (para melhor).
Ao deixar de fumar um maço por dia, além de se ganhar uma vida mais saudável e mais longa — os fumadores vivem em média menos dez anos que os não fumadores —, consegue-se poupar 110 euros por mês, sem contar com as despesas médicas que o tabagismo pode trazer. Ora, quem trocar o vício pela poupança aos 35 anos, conseguirá amealhar mais de 90 mil euros até atingir a idade legal da reforma. É um mealheiro que certamente o fará respirar melhor no futuro.
É outro mau hábito. Pode não prejudicar a saúde, mas pode ser nefasto para um orçamento pessoal. Fruto do frenesim que é hoje a vida das pessoas, muitas acabam por tomar o pequeno-almoço no café ou na pastelaria mais próxima do local de trabalho. Não há problema: as torradas da pastelaria lá da rua até podem ser as melhores do mundo, mas um pequeno-almoço composto por uma garrafa de leite com chocolate, uma torrada e um café custa pelo menos três euros, o mesmo que dez pequenos-almoços caseiros. Ou seja, levantar 15 ou 20 minutos mais cedo da cama pode originar uma poupança mensal superior a 60 euros com pequenos-almoços nos dias de trabalho. Se este valor for investido mensalmente durante 30 anos de trabalho atinge-se a soma de quase 50 mil euros. Uma boa recompensa por se levantar mais cedo.
Economizar na conta dos almoços durante a semana de trabalho é outra hipótese a considerar. São cada vez mais as empresas que disponibilizam equipamentos de cozinha aos seus colaboradores e cada vez mais os funcionários que os utilizam. Percebe-se porquê: tendo em conta que uma refeição num restaurante custa cerca de oito euros, levar o almoço de casa para o trabalho pelo menos uma vez por semana culmina numa poupança mensal de 32 euros. Se realizar esta estratégia, a poupança acumulada e capitalizada ao fim de 30 anos ascende a mais de 26 mil euros.
O leitor até pode ter o melhor carro do mundo, mas se o usar nas deslocações diárias está a colocar as suas finanças pessoais em rota de despiste. Um condutor que percorra diariamente 50 quilómetros nos percursos casa-trabalho-casa gasta quase 100 euros por mês em gasóleo ou gasolina. Ora, se à despesa do combustível forem acrescentados os custos das portagens, do estacionamento e da manutenção do veículo, facilmente se percebe que usar o carro nas corridas do dia-a-dia é um luxo bem caro. Quem vive em grandes cidades ou nas suas periferias deve ponderar optar pelos transportes públicos. Até pode perder conforto e alguma liberdade de movimentos, mas ganha tempo e dinheiro. Face aos valores dos passes para viajar nos transportes públicos, é fácil perceber que a factura mensal com transportes pode diminuir mais de 70 euros por mês. Ora, se conseguir poupar este valor e canalizá-lo para o futuro, no final de três décadas, terá um pé-de-meia num valor superior a 57 mil euros.
Se por algum motivo não puder seguir o conselho anterior, tente poupar ao máximo nos combustíveis. Sempre que possa, e se tal não implicar despesa ou tempo de deslocação, ateste em postos de abastecimento de marca branca, como os postos existentes nos hipermercados. Há quem diga que, por não serem aditivados, são menos eficientes e até podem danificar o motor dos veículos, mas a única certeza é que o preço por litro é dez a 12 por cento inferior ao praticado nos postos de abastecimento de marca, consoante o combustível seja gasóleo ou gasolina sem chumbo de 95 octanas. Ora, quem atestar o carro semanalmente com 35 litros de combustível consegue poupar mais de 20 euros por mês, o que lhe permitirá acumular 16 mil euros durante 30 anos.
Praticar exercício regularmente é meio caminho andado para uma vida mais longa e saudável e, consequentemente, para uma reforma mais feliz. Mas será que é necessário pagar para estar em forma? A resposta é claramente negativa. No entanto, algumas pessoas teimam em frequentar ginásios incorrendo em custos mensais que podem chegar aos 100 euros, quando existem locais adequados à prática do jogging e outras actividades onde o único esforço exigido é físico.
Correr ao ar livre ou frequentar o circuito de manutenção do parque mais próximo da sua casa não só é mais saudável do que praticar exercício dentro de uma sala com ar condicionado, como pode contribuir para uma reforma dourada. Basta pensar que 100 euros aplicados mensalmente durante 30 anos transformam-se em 82 mil euros. Um bom exercício, não?
Não é necessário deixar de falar com os amigos ou familiares, basta escolher o melhor tarifário para o seu caso. O cliente tradicional das principais operadoras nacionais gasta 34,50 euros por mês, segundo a Anacom — Autoridade Nacional de Comunicações51, mas se mudasse para uma operadora de baixo custo despenderia de apenas 18,50 euros. São 16 euros de diferença que, a serem investidos durante 30 anos, transformam-se em 13 mil euros. Faça uma visita ao sítio da internet da Anacom e simule quanto pode poupar, pois, segundo o simulador de tarifários da instituição, no limite, a diferença entre ter o tarifário ideal para o seu caso e ter o pior pode ascender a uma despesa mensal acrescida em 100 euros.
Além das facturas da água, da electricidade e do gás, são cada vez mais os portugueses que recebem também a factura da televisão por subscrição e do acesso à internet. Pode não ser um serviço tão importante como os três primeiros, mas, seja por motivos profissionais seja por lazer, é fácil entender a necessidade de ter mais canais de televisão ou ligação à internet em casa. Mas a que custo?
Quanto tempo gasta a ver televisão? Será que vale a pena ter 100 canais e uma ligação à internet com uma velocidade supersónica para consultar o correio electrónico e os sítios noticiosos? A escolha do serviço mais adequado ao perfil do utilizador origina uma enorme poupança mensal. Para dar uma ideia, a diferença entre o preço mensal do pacote mais barato e o mais caro comercializado por dois dos maiores operadores em Portugal é de 75 euros. É provável que alguns dos canais mais desejados não façam parte da oferta dos pacotes mais económicos e os seus downloads também demorarão mais um pouco, mas amealha-se mais de 61 mil euros em três décadas. A escolha é sua.
Nos tempos que correm é necessário ter uma conta bancária e acesso aos instrumentos de pagamento e serviços mais comuns. Mas isto não significa que deva realizar as suas operações financeiras num balcão do seu banco. Os meios privilegiados para comunicar com o seu banco devem ser a internet e os caixas automáticos. Através destes canais é possível poupar dezenas de euros por ano. Segundo um estudo da Deco Proteste, que definiu três perfis de cliente, utilizar a internet como meio preferencial para realizar pedidos de cheques, transferências, ordens de bolsa e outros serviços pode diminuir os custos bancários anuais em cerca de 74 euros.52 Pode parecer pouco, em particular porque a poupança acaba por não se sentir, uma vez que é acumulada vagarosamente no saltitante saldo da conta à ordem. Mas são recursos que se libertam para o consumo presente e que acabam por melhorar a capacidade de poupança para o longo prazo. Atenção! não convém subscrever um serviço de acesso à internet só para ir ao banco. Não compensa. Quem não tiver acesso à rede tem nos caixas automáticos uma óptima solução. Com o cartão de débito é possível realizar as operações mais comuns.
É uma estratégia muito negligenciada, mas é uma das mais simples e até útil para as carteiras e para os bolsos das calças. Arranje um mealheiro. Pode ser qualquer coisa, desde o tradicional porco em barro a uma garrafa de plástico ou outro qualquer objecto cilíndrico e coloque-o próximo do local onde esvazia os bolsos quando chega a casa e, em vez de espalhar as moedas que tem no bolso em cima da mesa, coloque-as no mealheiro.
Ao contrário das estratégias anteriores, nas quais se procura poupar através da diminuição das despesas mais comuns para não se sentir o esforço da poupança, esta, além de exigir um pequeno esforço financeiro no presente, não assegura que conseguirá juntar uma quantia fixa para aplicar depois num produto de aforro. Imagine um mealheiro cilíndrico com um volume de 1,5 litros (20 centímetros de altura por dez de diâmetro). Se o encher exclusivamente de moedas de 50 cêntimos, um e dois euros, então, quando o abrir, terá qualquer coisa como 1000 euros. Até pode demorar algum tempo mas, no final, serão mais do que trocos.
Em Dezembro de 2010, estavam inscritos nos Centros de Emprego 541 840 desempregados e havia 2 192 635 pensionistas por invalidez e velhice. Boletim Estatístico, Gabinete de Estratégia e Planeamento, Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, Janeiro de 2011.↲
Tendo em conta as estimativas do Orçamento do Estado para 2011 e o número de pensionistas em Dezembro de 2010, a pensão de velhice, de sobrevivência e de invalidez médias de 2010 foram de 290,13 euros, 172,74 euros e 234,51 euros, respectivamente. Relatório do Orçamento do Estado para 2011, Ministério das Finanças e da Administração Pública, Outubro de 2010 e Boletim Estatístico, Gabinete de Estratégia e Planeamento, Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, Janeiro de 2011.↲
Em 2011, as transferências do Orçamento do Estado representam 28,88 por cento das receitas da Segurança Social. Relatório do Orçamento do Estado para 2011, Ministério das Finanças e da Administração Pública, Outubro de 2010.↲
Boletim Estatístico, Gabinete de Estratégia e Planeamento, Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, Janeiro de 2011.↲
Na terminologia inglesa, o modelo é conhecido por pay-as-you-go system, que se pode traduzir livremente por “sistema que se vai pagando”. Neste livro adoptam-se as expressões “sistema de repartição” ou “sistema de redistribuição”.↲
Pensions at a Glance 2009: Retirement-Income Systems in OECD Countries, OCDE, 2009.↲
The World Fact Book, Central Intelligence Agency, 2011.↲
Decreto n.º 5638/19, de 10 de Maio.↲
“Seguros sociais obrigatórios”, A Capital, 14 de Maio de 1919, p. 1.↲
Decreto n.º 25935/35, de 12 de Outubro.↲
Preâmbulo do Decreto n.º 45266/63, de 23 de Setembro.↲
Decreto-Lei n.º 203/74, de 15 de Maio.↲
Decreto-Lei n.º 29/77, de 20 de Janeiro.↲
“Cadilhe aconselha investimento através de fundos”, Semanário Económico, n.º 138, 1 de Setembro de 1989, p. 13.↲
Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de Setembro.↲
José Silva Peneda, ministro do Emprego e da Segurança Social: “É inevitável uma análise acerca das fontes de financiamento (...) para se abandonar a ideia de que deve ser apenas o trabalho a financiar os sistemas de protecção social.” in “Não tenho dúvidas em optar pela descida dos salários reais”, Expresso, n.º 1090, 18 de Setembro de 1993, p. C2.↲
Preâmbulo da Resolução do Conselho de Ministros n.º 22/96, de 9 de março.↲
Embora alguns governantes teimem em garantir que está tudo bem na Segurança Social. Carlos Costa Pina, secretário de Estado do Tesouro e Finanças afirma: “Temos agora um dos sistemas de segurança social mais sustentáveis da Europa.” in “Interview with Portuguese Secretary of State for Treasury and Finance Carlos Costa Pina”, Economic Observer, 11 de Agosto de 2010.↲
Investigadores da OCDE demonstraram que as mulheres desejam ter mais filhos do que os que têm e apontaram estes motivos para não concretizarem o seu desejo. D’Addio, Anna Cristina e Marco Mira d’Ercole, “Trends and Determinants of Fertility Rates: The Role of Policies”, OECD Social, Employment and Migration Working Papers, n.º 27, OCDE, 2005.↲
“Averting the old age crisis: policies to protect the old and promote growth”, Policy Research Report, Banco Mundial, Oxford University Press, 1994.↲
Confira em Pensions at a Glance 2009: Retirement-Income Systems in OECD Countries, OCDE, 2009.↲
Melbourne Mercer Global Pension Index, Melbourne Centre for Financial Studies, Mercer, 2009.↲
O índice de adequação considera os benefícios que são atribuídos aos mais pobres e à população de rendimentos medianos, bem como os mecanismos de funcionamento de forma a apurar a eficácia do sistema. A taxa de poupança do país também é tida em conta, porque pode representar uma importante fonte de receitas na aposentação.↲
“Um futuro sem sobressaltos”, Semanário Económico, n.º 151, 30 de Novembro de 1989, p. 25.↲
“Futuro lança PPR 5 Estrelas”, Semanário Económico, n.º 152, 7 de Dezembro de 1989, p. 18.↲
“Império PPR”, Semanário Económico, n. o 149, 17 de Novembro de 1989, p. 20.↲
“Record PPR excede expectativas”, Semanário Económico, n.º 152, 7 de Dezembro de 1989, p. 32.↲
De acordo com as estatísticas oficiais da CMVM e do Instituto de Seguros de Portugal.↲
“1,2 milhões de portugueses beneficiam de PPR”, Basef Seguros, Marktest, 15 de Junho de 2010.↲
Em 2008, 420 234 agregados deduziram PPR. Estatísticas do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, 2006-2008.↲
Relatório do Orçamento do Estado para 2011, Ministério das Finanças e da Administração Pública, Outubro de 2010.↲
Sikken, B.J, David, N., Hayashi, C., Olkkonen, H., The Future of Pensions and Healthcare in a Rapidly Ageing World — Scenarios to 2030, Fórum Económico Mundial, 2008.↲
Nos seguros e fundos de pensões, a taxa anual de custos inclui os encargos de gestão (definida pela Norma Regulamentar n.º 15/2008-R do Instituto de Seguros de Portugal). Nos fundos de investimento, inclui as comissões de gestão e de depósito, a taxa de supervisão, os custos de auditoria e outros custos operacionais (de acordo com o Regulamento n.º 15/2003 da CMVM).↲
Pedro Seixas Vale, presidente da Associação Portuguesa de Seguradores: “A grande maioria das comissões de subscrição de PPR é muito mais baixa do que a citada [1,78 por cento] e nalguns casos é até inexistente”. Fernando Coelho, presidente da Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios: “A subscrição de PPR acarreta obrigações declarativas adicionais para as entidades gestoras ou comercializadoras pelo que, nesse aspecto, pode ser justificável a cobrança de uma comissão de subscrição.” in “PPR rendem menos de 1% acima da inflação”, Jornal de Negócios, caderno “Investidor Privado”, 9 de Novembro de 2009.↲
“Mudar o PPR de banco é mais barato a partir de hoje”, Diário Económico, 20 de Julho de 2009, p. 42.↲
“Novas regras nos PPR” (comunicado de imprensa), Ministério da Economia e da Inovação, Gabinete do Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor, 22 de Maio de 2009.↲
No caso dos PPR que assumem a forma de fundos de investimento, a taxa anual de custos calculada neste livro inclui ainda as taxas de supervisão, os custos de auditoria e outros custos operacionais, excluindo os custos de transacção, de modo a satisfazer o Regulamento n.º 15/2003 da CMVM.↲
A inflação foi obtida através da variação anual do Índice de Preços no Consumidor, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística.↲
A tributação do PPR assume taxa reduzida de oito por cento, enquanto a tributação dos certificados do tesouro é a 21,5 por cento.↲
“Governo mantém benefícios fiscais nos rendimentos dos PPR”, Público, n.º 5295, 21 de Setembro de 2004, p. 20.↲
Proposta de Alteração n.º 1146C-1 da Proposta de Lei n.º 42/XI (Orçamento do Estado para 2011), Grupo Parlamentar do Partido Socialista, Assembleia da República.↲
Dimson, E., Marsh, P., Staunton, M., Credit Suisse Global Investment Returns Yearbook 2010, Credit Suisse Research Institute, 2010. Em termos reais (acima da inflação), as acções renderam anualmente 5,4 por cento, as obrigações 1,7 por cento e a tesouraria 0,9 por cento entre 1900 e 2009.↲
Ver, por exemplo, Insightful Strategies for Informed Investors, T. Rowe Price, 2008.↲
Os cálculos efectuados para obter a poupança mensal assumem a perda de poder de compra estimada pela OCDE (Pensions at a Glance 2009: Retirement-Income Systems in OECD Countries, OCDE, 2009), a esperança média de vida aos 65 anos (“Tábuas Completas de Mortalidade 2007-2009”, Instituto Nacional de Estatística) e as rendibilidades e volatilidades históricas dos activos determinados pela mais longa série histórica. (Dimson, E., Marsh, P., Stauton, M., Triumph of the Optimists – 101 Years of Global Investment Returns, Princeton University Press, 2002, bem como a sua actualização Dimson, E., Marsh, P., Staunton, M., Credit Suisse Global Investment Returns Yearbook 2010, Credit Suisse Research Institute, 2010). Assume-se que não há qualquer poupança acumulada até ao momento, uma carreira contributiva de 30 anos na altura da aposentação, a aplicação do capital em instrumentos de curto prazo após a passagem à reforma e a legislação em vigor no início de 2011.↲
Incluindo os ataques ao Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio (1992-1993), a crise económica do México (1994-1995), a crise asiática (1997-1998), a crise da Rússia (1998), a bolha tecnológica (2000-2001) e a crise financeira que se iniciou em 2007 e que se arrastou por mais de três anos, contagiando a dívida pública europeia.↲
Em Fevereiro de 2011, havia 6994 fundos comercializados em Portugal, segundo a Morningstar. Em Junho de 2010, o montante aplicado em fundos de investimento mobiliário e imobiliário, incluindo fundos especiais de investimento, era de 28,1 mil milhões de euros, segundo a CMVM.↲
“Seguros de capitalização caros e sem interesse” (comunicado de imprensa), Deco Proteste, 28 de Julho de 2010.↲
As provisões matemáticas dos seguros de capitalização eram de 27,1 mil milhões de euros em Novembro de 2010, segundo a Associação Portuguesa de Seguradores.↲
A própria entidade supervisora conclui isto. “Frequentemente a probabilidade de sucesso associada a esses cenários [de atracção de investidores] é baixa e a rendibilidade esperada dos produtos é usualmente inferior à rendibilidade de aplicações de menor risco”, alertou Carlos Tavares, presidente da CMVM, numa conferência sobre literacia financeira organizada pela Câmara de Comércio Americana em Portugal, em Novembro de 2009.↲
Num inquérito do Banco de Portugal aos clientes bancários, 54 por cento afirmaram que seleccionam os produtos financeiros por conselho ao balcão. Inquérito à Literacia Financeira da População Portuguesa, Banco de Portugal, 2010.↲
Os portugueses realizam, em média, 47 chamadas para a própria rede, 13 para outras redes móveis e quatro para a rede fixa por mês. Serviços Móveis — Informação Estatística, 4.º Trimestre de 2009, Anacom.↲
“Remar contra a corrente”, Dinheiros & Direitos, n.º 101, Setembro de 2010.↲